Publicado em 18/12/2022 às 21h59

 

COMA CARNE …… dos outros
Hélverton Baiano

O que Zim do Bié não esperava ver nunca aconteceu isturdia na 60ª Exposição Agropecuária de Goiás, no Parque da Nova Vila: um boi branco, nelorão de primeira, passando, passeando e desfilando com um cartaz no lombo dizendo “Coma Carne”. Para ele, só faltou completar: “Preferencialmente mijada”. Mas não dava, sabem por quê? O boi era apenas e tão somente um reprodutor, decerto nunca usufruiu de uma carne assim de vaca nenhuma desse mundo. Com a tecnologia, ele tão somente cede seus pedaços de bezerro pros veterinários botarem dentro da vaca. Zim apostava que era um boi virgem, virgem, que só tinha prazer pelas mãos dos outros.

Catirina, do folclore maranhense do Bumba-meu-boi, porque estava embuchada, pediu ao vaqueiro apaixonado a língua do boi. Foi uma labuta. O boi pelos lados do Norte e Nordeste deste nosso Brasil, e que deu origem ao folclore, vivia de comer no extensivo, de passar a pasto e a mandacaru, e recebia respeito quase como se faz hoje na Índia, onde o gado vacum é um deus.
Mário da Bobô estava com Zim do Bié na Pecuária e se assustou com aquela ingrisia de boi fazendo propaganda para que o povo comesse carne, não a dele, mas a dos outros bois de menor qualidade e que são engordados precocemente para morrerem e servirem de comida pra gente.
– Do jeito que a carne tá cara, ninguém de nós dá conta de comer ela não.
– Essa carne aí né pro nosso bico não, siô.

Entrei na conversa e disse a eles que a carne da propaganda do boi era pro povo do estrangeiro. O pobre daqui come é o boi incantado, cantado por Elomar, um aruá que ninguém consegue pegar pra matar, um dos mais difíceis das nações de gado que há no mundo. Se há!
Eles pilheriaram que boi que faz propaganda pra ser comido é boiola, boi cor-de-rosinha, descontando que o coitado nem sabe se é e o que está fazendo ali. Disse a eles que decerto nem era boiola, o problema é que ele nunca teve oportunidade ao menos de cheirar uma vaca. Era boi de laboratório.
– Matar o boi que faz a propaganda ninguém mata, né? – lembrava Zim do Bié -, argumentando que, se quisessem pro povo comer carne mesmo, esses pecuaristas deviam começar dando o exemplo e fazendo um churrasco do boi da propaganda pra matar a fome do povo.
– Do jeito que o povo passa fome, com essa propaganda pode acontecer de saírem comendo unzanzotros.

Mário falou isso porque ele mesmo já viu, no sertão de seu Pernambuco, muita gente comendo lagartixa, gato, cachorro, saruê, cobra, rato de roça e outros bichos que dão nojo aos estômagos dos normais e dos que têm comida a rodo.
Vimos e anotamos que era judiação desmedida fazer isso com os bichos, mas o que vogava para esse povo que cria gado pra matar era o ‘quanto mais’. Perdeu-se o sentimento que seus pais cultivaram, pondo nome e sabendo e contando as histórias de cada boi e cada vaca que criavam.
Zim nos disse que essa postura mais humana para a criação dos animais era responsável por inventar as fantasias que geravam o folclore e que enchiam a roça de poesia e de alegria. Eeeeiiiiaaaa!

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