Publicada em 20/11/2024 às22h10

20 DE NOVEMBRO: DIA NACIONAL DA CONSCIÊNCIA NEGRA E DE LUTA CONTRA O RACISMO.

Por Paulo Oisiovici

O QUE É O RACISMO?

O racismo é uma ideologia baseada na crença da superioridade de uma cultura ou de um grupo étnico sobre outro, justificando atitudes individuais e/ou coletivas, veladas ou explícitas, de preconceito, discriminação, intolerância, ridicularização, inferiorização, omissão, rejeição e silêncio, de indivíduos ou grupos de uma etnia em relação a outros de etnias diferentes, e até mesmo do Estado por meio de suas instituições em relação a um determinado grupo étnico.
A IMPROCEDÊNCIA CIENTÍFICA DO USO DO TERMO “RAÇA”
A espécie humana surgiu na África há cerca de 6 milhões de anos. Com as mudanças climáticas e o aumento populacional, grupos humanos se deslocaram pelo planeta povoando outros territórios, sofrendo alterações genéticas em função das diferentes condições impostas pelos diversos ambientes, não tão significativas a ponto de originarem diferentes raças, como no caso de outras espécies animais. O termo “raça” é usado para designar grupos com diferenças grandes em relação aos demais indivíduos de uma mesma espécie.
AS ORIGENS DO RACISMO
Com o surgimento, desenvolvimento da agricultura e da consequente produção de excedentes, surgem a divisão social do trabalho, a propriedade privada, as classes sociais e o Estado. Algumas civilizações atingiram diferentes graus de desenvolvimento material e técnico, o que, nas disputas por territórios e recursos naturais, lhes permitiu dominar, explorar e escravizar outras, impondo-lhes sua cultura.
Até o século VIII da nossa era, os povos árabes (muçulmanos) que foram os primeiros a comercializar com os povos africanos, estabeleceram com eles uma relação de igualdade enquanto o comércio se dava baseado na troca. A partir do século XV, as nações europeias possuidoras de armas de fogo, com um Estado centralizado e de uma burguesia rica e desejosa de expandir seu comércio, desenvolveram embarcações capazes de viagens intercontinentais que lhes permitiram chegar a África, Ásia , América e Oceania e travar contato com povos e culturas diferentes. Na África, os europeus comercializavam com os chefes tribais trocando produtos como armas e fumo , por membros de outras tribos, escravos de guerra. O tráfico de escravos negros africanos tornou-se o negócio mais lucrativo do mundo com mercado criado pela demanda de mão-de-obra nas lavouras de cana-de-açúcar, café e no extrativismo mineral nas colônias.
Para justificar aos católicos horrorizados, o tráfico de escravos e as condições subumanas a que os negros africanos eram submetidos durante as viagens, no trabalho nas colônias e nas feiras, o papa Nicolau V editou a bula ROMANUS PONTIFLEX que diz:
“[…] isso nós, tudo pensando com devida ponderação, por outras cartas nossas concedemos ao dito rei Afonso a plena e livre faculdade, dentre outras, de invadir, conquistar e subjugar quaisquer sarracenos e pagãos, inimigos de Cristo, suas terras e bens, a todos reduzir à escravidão e tudo aplicar em utilidade própria e dos seus descendentes”.

Essa permissão toda fundamentada na narrativa bíblica, segundo a qual os povos pagãos (entre esses os africanos) são descendentes de Cã, filho de Noé, que por ter visto a nudez do pai teve todos os seus descendentes condenados à escravidão por outros povos. Em troca dessa justificação através da bula papal ROMANUS PONTIFLEX, a Igreja Católica passou a receber 1/3 de todos os lucros obtidos do tráfico de escravos negros africanos. Estima-se que durante a colonização portuguesa desembarcaram no Brasil cerca de 6 a 8 milhões de negros africanos.

Bula Papal “Romanus Pontiflex”. Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Lisboa. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=3907997 Cotas de Arquivo:​PT-TT-BUL-0007-29 PT-TT-BUL-0007-29_m0001. PT-TT-BUL-0007-29_m0002. PT-TT-BUL-0007-29_m0003.

Bula Papal “Romanus Pontiflex”. Fonte: Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Lisboa. Disponível em: https://digitarq.arquivos.pt/viewer?id=3907997 Cotas de Arquivo:​PT-TT-BUL-0007-29 PT-TT-BUL-0007-29_m0001. PT-TT-BUL-0007-29_m0002. PT-TT-BUL-0007-29_m0003.

Após a abolição, jogado à própria sorte, sem condição de acesso à propriedade da terra, sem direito à escolarização, sem o amparo de nenhuma legislação ou política pública que lhe garantisse a inclusão no processo produtivo; o negro foi, e é até hoje, obrigado a disputar sua sobrevivência material e cultural, numa sociedade em que os critérios de seleção profissional, cultural, político e étnico garantem sua condição de mais oprimido, explorado e subalternizado.
“os problemas de raça e classe se imbricam nesse processo de competição do Negro pois o interesse das classes dominantes é vê-lo marginalizado para baixar os salários dos trabalhadores no seu conjunto” (Moura, Clóvis. Dialética Racial do Brasil Negro. São Paulo: Editora Anita, 2004, pág. 200)
Sendo a democracia, o acesso de todos a toda a produção material e cultural sociedade, a propalada “democracia racial” brasileira se constitui num mito. O fato dos negros constituírem a maioria da população, torna isso mais flagrante e grave.
Os dados do Censo do IBGE de 2010, provaram que os negros são 96,7 milhões de brasileiros, o que equivale a 50,7% da população. Ainda segundo o mesmo censo, brancos ganham o dobro que negros. Essa realidade ainda é mais acentuada na região Sudeste, onde os rendimentos recebidos pelos brancos correspondem ao dobro dos pagos aos negros. A menor diferença é observada na região Sul, onde a população branca ganha 70% mais que a negra. Enquanto para toda a população a taxa de analfabetismo é de 9,6% para os brancos essa taxa cai para 5,9%. Já entre pardos e negros a taxa sobe para 13% e 14,4%, respectivamente. O censo de 2010 mostrou que os brancos também dominam o ensino superior no país. Na faixa etária entre 15 e 24 anos, 31,1% da população branca frequentava a universidade. Em relação aos pardos e negros são de 13,4% e 12,8%respectivamente. Isso demonstra que mesmo com a adoção e implementação de ações afirmativas que compõem as políticas públicas adotadas pelo governo federal nos últimos 10 anos, o país ainda está muito longe de constituir-se numa efetiva democracia racial, pois o problema é estrutural e demanda uma ruptura com o sistema econômico.
O RACISMO É CRIME!
O racismo é tipificado pela Constituição Federal como crime inafiançável e imprescritível. Qualquer vítima de racismo pode e deve procurar uma delegacia de polícia para a formulação e registro de queixa contra o autor.
A Lei nº 7.716 de 5 de janeiro de 1989 que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, regulamentando o que dispões a Constituição Federal:
Art. 1º – Serão punidos na forma desta Lei os crimes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Art. 3º – Impedir ou obstar acesso de alguém devidamente habilitado a qualquer cargo da Administração Direta ou Indireta bem como das concessionárias de serviços públicos. Pena: reclusão de 2 a 5 anos.
Art. 20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de 1 a 3 anos e multa.
§ 1º – Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo. Pena: reclusão de 2 a 5 anos e multa.
CORRENTINA-BA E O SEU CONSELHO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DESATUALIZADOS QUANTO A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL ANTIRRACISTA
A lei 11. 645/08 a partir de ´parecer do CNE – Conselho Nacional de Educação modificou a Lei 10.639/03, incluiu a obrigatoriedade do ensino dos conteúdos de História da África, cultura afro-brasileira e indígena para todos os estabelecimentos de ensino fundamental e médio, públicos e privados do país. A referida lei estabelece que os conteúdos de História da África, cultura afro-brasileira e indígena (Art. 26-A) deverão ser ensinados em todas as disciplinas, principalmente nas de História, Língua Portuguesa e Artes. Mas, apesar da atualização, modificação e substituição da Lei 10.639/03 pela Lei 11. 645/08, o município de Correntina-BA, através de parecer do seu Conselho Municipal de Educação só reconhece a obrigatoriedade do ensino dos conteúdos de História da África, cultura afro-brasileira previsto pela Lei 10.639/03 em flagrante inobservância, desrespeito e não reconhecimento da contribuição dos povos indígenas e de suas culturas na construção do Brasil como nação e do município de Correntina. inobservância, desrespeito e não reconhecimento da contribuição dos povos indígenas, revela, além de uma compreensão manipuladora, reducionista e panfletária do racismo, total desconhecimento da História e origem étnica de Correntina-BA, uma vez que a origem da formação histórica de Correntina-BA e do seu povo é predominantemente indígena, como provou pesquisa realizada em 1950, por uma equipe de antropólogos e arqueólogos, liderada pelo antropólogo estadunidense Donald Pierson, cujos resultados foram comunicados através de sua obra, em 3 tomos, “O Homem no Vale do São Francisco” publicada pela SUVALE – Superintendência do Vale do São Francisco (Rio de Janeiro-RJ) em 1972.

Por Paulo Oisiovici.

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