Publicado em 9/9/2025, 6h25.

QUANDO O CIRCO BAIXAVA A LONA, EM CORRENTINA.
Como em qualquer cidadezinha do interior, a vida, até então monótona e pacata da velha Vila, de repente tornava-se agitada e animada. Isto, graças ao desembarque de algum Circo por lá, e foram inúmeros os eventos sediados por aquela urbe. Recordo-me, principalmente, do famoso Circo de Peteleco. Os circos que chegavam à cidade se instalavam, habitualmente, nos precisos limites entre o Riacho Vermelho e o Remanso de Celso, situado em frente ao antigo Mercado Municipal. Ali erguiam mastros, estendiam lonas e fincavam suas bandeiras debaixo dos mangueirais, às margens do rio.

Após instalados, a meninada, por meio de sorteios seletivos, disputava lugares nas arquibancadas. Os sortudos, mais espertos ou “ladinos” selecionados, acompanhavam os palhaços durante o desfile pela cidade. As crianças, devidamente ensaiadas, respondiam aos versos cantados pelos palhaços, estes movendo-se sobre longas pernas de pau. Iniciavam com o seguinte refrão: o palhaço, o que é? A criançada respondia: é ladrão de mulher! Os palhaços continuavam: eu vi o sol, eu vi a lua! A meninada completava: olha o palhaço no meio da rua!
Assim, o ânimo tomava as ruas de Correntina e o desfile das crianças engrossava-se, formando um imenso cordão, de onde se podiam ouvir as vozes cada vez mais estridentes. Era comum as mulheres se posicionarem nas janelas, os passantes pararem nas calçadas e os palhaços, com seus megafones e malabarismos pirotécnicos, chamarem a atenção da população. Ao longo de aproximadamente 15 dias, a cidade vivia uma espécie de êxtase, explodindo-se em divertimentos, gracejos e euforia.

À noite, as luzes se acendiam e o cenário era de um céu iluminado por balões a vapor, forçando os transeuntes à escolha entre o espetáculo e a missa na matriz. Isto porque os expectadores mais devotos, em hipótese alguma, costumavam perder a celebração eucarística. Como eram igualmente atraídos pelas novidades das atrações circenses, precisavam superar tão desafiador dilema. Para a resolução de tal conflito, uma parte do público cumpria sua obrigação religiosa junto ao vigário para, em seguida, desmanchar-se de rir face às proezas lúdicas e cômicas dos artistas do Circo.

Utilizando-se do marketing, o Circo sempre buscava interagir com a cidade, procurando envolver principalmente as crianças, os adolescentes e os jovens. Para tal, promovia-se disputas de boxes e incentivava apresentação de festivais musicais, com seleção e prêmios para as melhores classificações. O impacto dos eventos na vocação e na carreira de muitos jovens foi notável.

Vale lembrar que, durante a apuração do processo seletivo, os participantes demonstravam absoluta integração, razão pela qual não conseguiam conter suas expectativas.
O segredo era livrar-se das baciadas do Palhaço julgador. Este, tinha sempre nas mãos uma bacia de alumínio e uma mandioca comprida, para acusar quem desafinava ou tropeçava na letra e no compasso. Portanto, o palhaço-juiz super atento à afinação, ao compasso e à performance do cantor. Fazia isto com um ouvido no cantor e o outro na platéia, e esta chegava a formar fã-clubes para apoiar o candidato preferido. Na liderança de uma dessas torcidas, destacava-se a grande agitadora Nana de Seu Canô. Ela era uma das mais aguerridas e entusiastas puxadoras de coro, gritando assim: “…bota pra lascar, Amaral l!!!” Vamos lá Amaral! Mas, para dizer a verdade, o predileto de Nana era mesmo Laércio. Bom gosto, não é?!!

Recordo-me também de figuras como Laércio de Canô, Zé Neto, Cleovânio, Amaral e diversos outros, todos numa acirrada disputa de calouros, pelo primeiro lugar. Boas lembranças e bons tempos aqueles! Laércio seguiu sua carreira e tornou-se Laércio Correntina. Brilhante, genial, inteligente, criativo e filosoficamente crítico. De expressão nacional, Laércio se tornou uma das mais ilustres figuras que Correntina já produziu. Viva o Circo! E viva as suas memórias!