Publicado em 23/09/2024 às 12h02

Por Antonio Rocha.

CARTA AO RIO

Meu querido amigo Rio das Éguas! Hoje acordei com uma saudade retada de ti… Chamo-o de Rio das Éguas, porque este é o teu nome primeiro, e o acho simpático. Sei que, no correr do tempo, andaram te impondo outros apelidos, tais como: Rio do Ouro, Rio da Prata, Rio Corrente e Rio Correntina. Todavia eu, particularmente, gosto mesmo é do teu nome de batismo – Rio das Éguas! Sim, porque este é um nome elegante, original e não há vergonha nenhuma nisso.

Tanto é que, por tua causa, erigiram até uma capela em honra à santa – Senhora da Glória. Contudo, o que me espanta é que, embora tenhas tão pouca idade, já enfrentas as agruras da vida. Eu bem sei o quanto tens corrido e percorrido chão, contornado e visitado todo esse sertão de meu Deus, semeando vidas. Também sei da tua capacidade de espalhar esperança, pois, onde passas, tudo é só alegria! Alegra bicho e gente, flores e florestas, transformando tudo o que tocas em sementes de vida. É que tu não fazes distinção… Bom ou ruim, tudo que é tocado por ti transforma-se para melhor…

É desse modo que vais espalhando o verde, formando frutos e banhando terras por esse mundão afora. Sabes… sempre me encantei por ti..! Por tua beleza, por teu canto, por tua música e pela tua canção de ninar! Principalmente nas altas madrugadas, em que mais parece acalanto para a alma. Quantas vezes eu me sentei e fiquei ali, à tua beira, só pra ti olhar… Admirando, namorando e te agradecendo, até envolver-te num abraço e me deixar também abraçar por ti, no colo das tuas mornas águas.

Oh meu amigo… quanto bem tens nos feito… à Bahia e ao mundo…! Hoje, não sei por qual razão, peguei-me fitando o teu rosto, imaginando o teu físico estado e a tua potência musical, pelo canto das tuas águas. Vejo que tu te definhas, dia após dia, e tens a voz cada vez inaudível. O cristal vibrante da tua tonalidade e as tuas corredeiras de águas espumantes, vão mudando de tons até quase se tornarem obscurecidas. O teu encanto, igualmente, vai desencantando-nos a todos, cada vez mais. Isso porque, talvez, o som da tua flauta tenha trazido maus agouros para ti, atraídos pelo teu canto. Repare que, ao teu redor, multidões se aglomeram de um lado e de outro, sufocando-te, até tirar o teu último suspiro. Estes são os que querem se beneficiar dos teus despojos, verdadeiros falsos amigos.

Cuide-te porque, a despeito de toda essa admiração deles por ti, eu desconfio que esse assédio todo é, no fundo, criminoso. Atitude que vai te matando aos poucos. Em razão disso, sinto que de tão magro e desnutrido, tu corres já sem força e sem alento, mesmo que de ladeira abaixo. E nem mesmo sei se chegarás ao mar. Atrevo-me a pensar, e que deus o livre e guarde que tu ficarás pelo caminho, inerte como uma lama podre da cidade sem beijar o teu destino final. Sim, porque observo que, por todo canto, marcando rio acima, máquinas perfuram as tuas entranhas, arrancando de ti a tua necessária proteção ciliar, Invadindo, sem piedade, a tua nascente, útero no qual fostes gerado.

É sabido que os pivôs privam, sobretudo quando vendem falsas promessas… E que nem todo verde carrega, em si, esperança. Lamento que botaram na tua conta um peso maior do que tu suporta, obrigando-te a levar sobre os ombros todo o lixo, do campo e da cidade. Sendo assim, peço-te que leve, também, as lágrimas daqueles que te querem bem e presumem que já te perderam.

Por fim, meu Rio das Éguas, o medo que tenho é de, num dia qualquer, acordar, ir ao Ranchão e tu lá não mais estiver. Se isto acontecer, contentar-me-ei apenas com as tuas pálidas marcas, causando-me amargura e desolação. Pois sei que a multidão que agora o cerca, meu caro, talvez não seja tão amiga assim… Lembre-te que, abraço apertado e demorado, às vezes sufoca e mata por asfixia. Cuidado! Saiba escolher bem os teus amigos, já que sozinho não mais vencerás essa batalha.

Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Curso livre em Teologia, especialização em Filosofia Clínica, pelo Instituto Packter e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás, em 09.07.2024.

3 COMENTÁRIOS

  1. Ontem fui até o Rio e vejo que se não cuidar da preservação nas suas afluentes ele não demora muito..acho até que é um milagre ele estar jorrando sem cortar.. imagino Correntina sem esse rio…. A luta hj é desigual! ..os donos do poder não quer saber de água doce e sim do dinheiro mole.

  2. Bela matéria!
    Com pitadas de poesia, descreve o autor a verdadeira identidade da cidade turística, exaltada pelos políticos hipócritas, camuflando os esgotos que degradam o meio ambiente e enganando os turistas.

  3. Bom dia,
    Também acho um milagre ele estar jorrando com tantas irrigações.
    Temos uma fazenda após Caruaru e vejo o nosso rio cada dia diminuindo seu leito.
    Uma tristeza muito grande quando eu olho… bate uma saudade danada da minha infância querida.

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