Publicado em 10/10/2024 às 10h10

Por Antonio Rocha – O OSWALDO CRUZ DE CORRENTINA

 

Foto de internet.

O episódio de hoje é sobre o “Oswaldo Cruz” de Correntina. Talvez você não tenha a menor ideia de quem se trata, mas, por meio deste simples ensaio, saberá. Lá no primeiro ano da década de setenta, quando ele voltou para Correntina, com o seu pomposo título de doutor. O detentor de tão alta e desejada classificação profissional aguardava, com ansiedade, o momento de oferecer seus conhecimentos medicinais à pequena população correntinense. Era ele, filho de retirantes oriundos da região da Chapada Diamantina, sertão baiano, que no início do século passado estabeleceu-se pelas bandas de cá e, daqui, rumou-se para o Goiás.

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Ao retornar à terrinha, o habilidoso veterinário foi, imediatamente, tratando de instituir uma agenda de visitas aos açougues da cidade, principalmente os do mercado municipal. Seu propósito era inspecionar, examinar e separar o que era próprio para o consumo humano, do que verdadeiramente oferecia risco à saúde pública. Certo é que, todos na redondeza, sabiam que os bovinos, os suinos e outros animais eram abatidos sob as mais variadas e insalubres condições, sem o rigor e os critérios sanitários.

Foto de internet.
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Os mais diversos tipos de transportes, sem a menor adequação para tal, trafegavam lotados de animais, oferecendo severos riscos aos próprios e aos consumidores de sua carne. O contínuo descuido e o evidente desmazelo ocorriam, com a ciência e a deliberada negligência dos proprietários comerciantes. Ali misturavam-se ignorância com inoperância; conveniência com desobservancia da lei, inclusive limitando recursos financeiros, por má fé. Tudo isto, numa esquemática receita, objetivando o desencadeamento de um possível surto endêmico, com a incúria e o beneplácito da administração pública local. Esta, agindo assim, renunciava à sua legítima e legal responsabilidade executora e fiscalizadora.

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Curioso é que o doutor, conhecido como João de Elpídia, não restringia as suas habilidades ao tratamento de animais. Ele procurava, também, à luz de sua ética profissional, socorrer e bem servir aos humanos, suprindo o déficit de profissionais da medicina que atendiam a população, principalmente a mais pobre. Obviamente, a cidade sofria com a escassez dessa indispensável qualificação profissional. Além disso, na inexistência de laboratórios farmacêuticos, o próprio doutor manipulava medicamentos para o combate de diversos males que acometiam o povo. O distinto doutor, apesar das condições estruturais da época, respondia às diversas necessidades da gente da cidade.

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Tudo corria bem, ou melhor, tudo corria sob vigilância, desconfiança e cochicho pelas esquinas, em reuniões e agrupamentos de descontentes açougueiros, bem como de vendedores de animais para o abate. Consequentemente, não tardou a desencadear uma orquestrada rebelião, ensaio dos ataques à honra e à pessoa do doutor que , sob ameaças de morte, pretendia, tão somente, socorrer os correntinenses. Por fim, anoiteceu e não amanheceu e, quando procuraram pelo doutor veterinário, este já tinha escafedido para as bandas do Goiás, fugindo da insana dos que exploravam a miséria dos desvalidos. Nunca mais quis botar os seus pés na sua cidade natal. Bem que o título dessa crônica deveria ser: o Doutor João e a revolta dos açougueiros…

Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Curso livre em Teologia, especialização em Filosofia Clínica, pelo Instituto Packter e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás.

3 COMENTÁRIOS

  1. Esse assunto me fez lembrar de quando cheguei à Correntina. Que por incrível que pareça minha família veio das bandas da chapada também. Kkk em fim cheguei a Correntina em 93 e me deparei com um cenário de guerra. Os cães era quem faziam a limpeza nos tocos de cortar osso nos açougues do mercado velho. Era uma cena horrível… Bela memoria Antônio!

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