Publicado em 10/04/2025 às 10h25

 

VOZES QUE NÃO SE CALARAM QUANDO TUDO ERA SILÊNCIO E OMISSÃO.
Por Antonio Rocha.

Foto: Grupo de Jovens de Correntina – JUDAC. (Residência de Ezequiel Barbosa).
Foto: Grupo de Jovens de Correntina – JUDAC. (Residência de Ezequiel Barbosa).

Quando tudo parecia escuridão, em meio às trovoadas dos graúdos, em contraste com o silêncio dos indefesos e a omissão das autoridades, eles se fizeram nossas vozes, nossos guias e a nossa defesa. Numa época em que imperava a força da grana, do mando, da grilagem, da extorsão, da invasão de terras dos gerais e de todo tipo de violência, eles assumiram as nossas dores. Com eles, levantou-se uma igreja que não se deixou emudecer, capitaneada por Lino, Luis, Augusto e Hermano na resistência aos que manipularam a fé dos oprimidos. Lá se vão mais de quarenta anos e, como saldo os passos, as lutas e a força representativa desses agentes, que tomaram para si a nossa indigência, quase desaparecendo-se na poeira do tempo.

Foto: Pe Augusto almoçando com o colega missionário.

Eis que um dia o vento do espírito soprou da Europa, rumo ao Oeste da Bahia, enviando para a igreja popular sacerdotes, profetas comprometidos a nos guiar pelas veredas das incertezas, em direção às fontes revigorantes da liberdade e da dignificação. Foram eles que despertaram a nossa consciência, por intermédio da força do Evangelho, além do seu testemunho de vida. Foram eles que, verdadeiramente, abriram as portas da igreja para os empobrecidos. Aliás, eles é que nos ensinaram, à luz de Medellin e Puebla, que a igreja somos todos nós, povo de Deus, a caminho, segundo o Vaticano II.

Foto: Pe Augusto e os seminaristas.

Foram eles que nos tornaram cônscios da nossa força organizacional, de uma consciência cidadã e da esperança; foram eles que nos disseram para não esperar apenas por uma expectativa de felicidade celestial, mas que poderíamos começar a vivenciá-la ainda na terra, e que o Reino começa aqui.

Foto: Pe Augusto palestrando numa capela.

Foram eles, igualmente, que nos incutiram um espírito de pertencimento e de autonomia, encorajando-nos a rezar uma prece de transformação da vida pessoal e social. A propósito, padre Ermanno Allegri foi quem nos ensinou que a terra é para quem nela quer trabalhar. Por outro lado, foi o Padre Augusto que nos ensinou na catequese, desde criança, a cultivar os valores do céu e a repartir o pão, como Jesus fez na eucaristia. Exatamente como nas palavras do saudoso dom Antonio: ”se o Pai é nosso, o pão também o é”. Mas o padre Augusto Baldrati que, com o tempero do Evangelho, acolheu e formou novas vocações e a resistência dos campesinos. Naquele contexto, foi o padre Luis Sartorel que animou, estimulou e ajudou a juventude a crescer numa espiritualidade enraizada na luta, na fé, na alegria e na esperança da construção do Reino na terra.

Foto: Pe Lino.

Foram décadas de formação de uma juventude forjada no testemunho do padre Getulio Gross, médico de formação, que certa vez abandonou os ritos finais da santa missa para acudir, às pressas, uma senhora camponesa em trabalho de parto, na iminência de morrer. Capacitações temperadas no testemunho evangélico do padre Maurício, embalando e animando as pastorais nas comunidades de Cocos e Coribe. Reflexões de vida baseada no testemunho das irmãs religiosas, ensinando o povo a enfrentar as doenças do corpo e se libertar da política de cabresto que empesteavam os espaços civis e religiosos. Refiro-me às eficientes receitas homeopáticas das irmãs Felícida e Miriam, que acudiam toda a população da região em sua carência de profissionais de saúde.

Foto: Pe Luís Sartoreli.

Enfim, foram estes agentes que nos ensinaram a viver uma igreja da partilha do pão, do Pão do céu e da terra; uma Igreja da força transformadora das comunidades reunidas para distribuir fraternidade. Pois foram eles que nos fizeram enxergar outras experiências de igreja, na interação com outras práticas eclesiais. Assemelha-se ao caso da comunhão fraterna vivenciada pelo bispo e poeta, Casaldáliga, entre os povos indígenas, em São Félix do Araguaia. Outro exemplo é a igreja de Dom José Maria Pires, lá na Paraíba, com sua formação seminarística da teologia da enxada. Vide, também, a igreja de São Paulo, sob a liderança de D. Paulo Evaristo e sua luta intransigente na defesa dos direitos humanos.

Foto: Pe Ermanno Allegri.

Foram estes agentes, portanto, que nos fizeram conhecer a experiência da missão do bispo piloto, Dom Tomás Balduíno e a sua luta pela fundação da CPT (Comissão Pastoral da Terra) e do CIMI (Conselho Indigenista Missionário). E, para não mais estender, foram eles que nos apontaram para a igreja de Dom Fernando Gomes e a sistemática defesa dos estudantes, quando estes eram ameaçados de prisão pela ditadura militar, em frente à catedral metropolitana de Goiânia. Por tudo isso, apenas uma palavra: Gratidão!!!

Antonio Rocha.
ANTÔNIO ROCHA: Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Curso livre em Teologia, especialização em Filosofia Clínica, pelo Instituto Packter e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás.

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