Publicado em 22/8/2025 às 06h30.

FRAGMENTOS DE HISTÓRIA
Por Gecílio Souza
Se recordar é viver
Viver é recordação
Impossível não recordar
As coisas lá do sertão
A época de quebrar milho
E de catar algodão
Pilar milho, arroz e café
No companheiro pilão
Que sempre acontecia
No início e no fim do dia
Pouco importava a estação
Intensa movimentação
Por ali também havia
Entre maio e setembro
Período que não chovia
Filas de carros de bois
Parecendo romaria
Seu Otávio era o dono
Da famosa olaria
Situada no vieira
E durante a seca inteira
Ladrilhos e telhas fazia
Cantar dos carros se ouvia
Descendo e subindo ladeira
Nos bancos de areião
Esticava a tiradeira
Mais de uma junta de bois
Na areia ou na pedreira
Os bois iam de guia solta
Ou com alguém na dianteira
Era assim anualmente
Tudo se acaba finalmente
Embora a gente não queira
E o seu Valdo Moreira
Morava ao lado da estrada
Em sua fazenda Remango
Saída para a Malhada
Ele tocava um comércio
Sua casa movimentada
Em certos fins de semana
Promovia uma cavalhada
Cavalos bons de correr
Marchadores para valer
Tinha disputa apostada
A região tão castigada
Que é difícil descrever
Longa e intensa estiagem
Costumava acontecer
Promovia-se novenas
Pedindo para chover
Ia até ao cemitério
Num sol quente de arder
O riacho se aquebranta
Pois sem fé não adianta
Uma imagem ia umedecer
Ingênua forma de crer
Porém a fé era tanta
Que às vezes coincidia
De a chuva cair na planta
E na época da quaresma
Mulheres abriam a garganta
Rezando nas vias-sacras
E quem reza também canta
As rezadeiras de então
Cantavam em cada estação
Durante a semana santa
Na quaresma veja quanta
Renúncia e dedicação
Aos domingos a via-sacra
Atraía uma multidão
Para o único cemitério
Existente na região
Muito bem lida afinal
Que chamava a atenção
Todos leitores do lugar
Entre os quais vou destacar
Quinca e Paulo Brandão
Vem de longe a tradição
E se tornou regular
Todo ano o cemitério
Consegue superlotar
No período da quaresma
Ficaram bem popular
As ditas encomendadeiras
À noite vão encomendar
Chegam silenciosamente
Cantam piedosamente
De fazer arrepiar
Batem para estralar
Uma matraca estridente
Que desperta até defunto
Imagine um ser vivente
E assim a tradição
Se repete anualmente
Quando chega o fim do ano
O costume é diferente
Muito festivo afinal
Com a novena de natal
Que se acabou infelizmente
À noite diariamente
A comunidade local
Saía em procissão
No religioso ritual
Rezando de casa em casa
Oh que época especial
E o seu Zeca de Nena
Liderança principal
Puxava a reflexão
Que tinha a participação
De todo o seu pessoal
Pontapé inicial
Para outra devoção
Que é a folia de reis
De alegria e animação
Visitando os moradores
Lhes fazendo saudação
Sambando e se divertindo
Animando a população
Mal janeiro se inicia
Já se ensaia outra folia
A de São Sebastião
É digno de anotação
Algo que também havia
Era um grupo de mulheres
Que em agosto saía
Denominado de “Culas”
Sambava e se divertia
Chefe era a velha Viana
O grupo ela dirigia
Não teve prosseguimento
Caiu no esquecimento
A cultura lhe perdia
E ali se desenvolvia
Periódico movimento
A feitura de farinha
Trabalho duro e infarento
Descascar e ralar mandioca
Produzir para o sustento
Puxar roda com os braços
Tinha que ter força e talento
Uma trabalheira danada
Para a pobre mulherada
Tirar polvilho ao relento
No lombo de um jumento
Às vezes de madrugada
Precisava buscar água
Era distante a aguada
Quem tinha carro de boi
Colocava na estrada
Da Vargem e do Mutum
Seis meses nessa jornada
Mas quando a chuva tardava
Esse tempo aumentava
A roça não dava nada
Oh que dura caminhada
Cada mulher enfrentava
Para poder lavar roupas
Bem cedo se levantava
Com a trouxa na cabeça
Para o Mutum caminhava
O dia inteiro por lá
Muito mal se alimentava
Exaustivo esse batente
Sob o rigor do sol quente
À tardinha retornava
Quase ninguém estudava
Me lembro perfeitamente
Haviam algumas escolas
Mas a enxada era exigente
Tinha que conciliar
Para se fazer presente
No trabalho e na escola
E assim alternadamente
Só até a quarta série ia
O governo não oferecia
Meios de seguir em frente
Era a realidade vigente
Distante da tecnologia
Ali um agricultor
Que a região o conhecia
Entre Vieira e Olho d’água
Este homem residia
Fabricava carros de boi
Com histórica garantia
De lá do seu estaleiro
Além do município inteiro
Outras regiões atendia
Zeca de Rosa que dizia
Não ser o único carpinteiro
Miguel Honório inclusive
Trabalhou como parceiro
Osvaldo e Joaquim de Ângelo
No Jatobá, Santo Mineiro
São apenas alguns nomes
Que se firmaram primeiro
Mas Zeca se destacou
Porque lutando tombou
Contra a sanha de um grileiro
Aqui termina o roteiro
A história não terminou
É um pequeno resgate
De um tempo que marcou
Positivo ou negativo
O passado registrou
Nele está contido algo
Que a memória preservou
Recordar também é viver
E a missão de escrever
Por aqui não se encerrou