Publicado em 17/9/2025, às 8h54.

JOÃO, O PROFETA CAPITALISTA.

João era uma dessas figuras enigmáticas, misteriosas, com ar de sacralidade. Por uns, era reverenciado; por outros, alvo de especulação, devido à sua arte de mercador. Ocorre que, semanalmente, as ruas da cidade eram despertadas pela voz rouca daquele personagem. Vinha de longe, percorrendo os quase 18 km de estrada de chão e poeira, com os seus jumentos enfileirados e carregando no lombo cangalhas com bruacas, repletas de mercadorias. Assim ia ele mercadejando manga, laranja, mandioca, bem como de outros artigos constitutivos da cozinha e da mesa baianas.
Originário de Mocambo, distrito pertencente à Santa Maria da vitória e fronteiriço com Correntina, João cultivava em sua cobiçada e pródiga chácara as mais belas e suculentas frutas, que se destinavam a abastecer o mercado público e as feiras livres da Cidade Carícia. Antes de se dirigir à cidade, nas águas do rio do meio que corriam sob uma ponte de aroeiras, ele selecionava, lavava e higienizava os frutos que haveriam de se converter em dinheiro.

Ao chegar à cidade debaixo do seu chapéu de palha de abas longas, tornava-se a atração da criançada, que não conseguia controlar o desejo de morder uma manga, beliscar um caju e chupar uma suculenta e deliciosa laranja. Se bem que os irresistíveis aromas daquelas frutas, entravam pelas narinas como a cheiro de café torrado, exalados pelas chaminés de torrefação, impregnando-se em todos os espaços.
Para descrever o fenômeno João Andrade, asseguro que tratava-se de um homem de estatura mediana, esvoaçante cabeleira prateada e barba longa, esbranquiçadas pelo tempo. Falava como profeta, tinha o olhar profundo e sereno, comedido nas palavras, mas muito bem articulado. Não obstante a sua condição simples, aqui e ali parecia agir como um filósofo e/ou como jurista, sempre solicitado para dirimir dúvidas, assim como para apaziguar contendas e litígios nos ermos do sertão, às vezes até transfigurando-se num iluminado profeta anunciador de verdades eternas.

Em diversas ocasiões, fora ele visto desfilando com elegantes gravatas e roupas de gala, sem abdicar de suas alpargatas de couro. Aqui, parafraseando o velho bordão cristão, eis aí o típico homem de Deus, anunciando um profético tempo de trocas, ganhos e acumulação. É uma verdadeira profecia da técnica do convencimento, da supervalorização do produto, dos traços de qualidade e do subliminar desejo de consumo. Um ser reverenciado, estimado e admirado como persona do mercado. O estilo convincente, mas de poucas palavras, o notável observador perspicaz. E assim prosseguiu até o fim dos seus últimos dias, com um olho na devoção e o outro na obrigação do Cuidado com o roçado, pois era dali que ele tirava o sustento da família.
Sempre se notabilizou pelo rigor nas negociações, negando-se a permitir que alguém adentrasse o seu pomar para colher sequer uma fruta. Tido na redondeza como místico, profeta e filósofo, em alguns momentos aventurou-se a entender das leis. Exatamente devido a este seu perfil, especulavam-se que, num certo dia, o próprio recusou-se a entregar um revolver para a polícia, sob o argumento de que não havia razão para ele devolver a arma ao Estado, posto que a própria casa também pertencia ao Estado. A propósito, insinuou que aquela arma estaria, pelo império da lógica, sob a sua legítima tutela.

Outro episódio que denota o espírito altruísta do João Andrade é que, a despeito de opiniões antagônicas sobre este polêmico personagem conta-se, por boca fidedigna, que certa vez o flagraram rolando a catraca de um terminal de ônibus, em Goiânia, para que o povo pudesse embarcar livre e gratuitamente. É por essas e outras que João Andrade permanece na estima e na memória do povo da nossa terra.
Grande homem, João Andrade. Nossa região sempre será rica pela cultura do nosso povo.