Publicado em 3/11/2025, às 6h30.

Antonio Rocha.
Possui graduação em Filosofia pela PUC Goiás, graduação em Direito, Licenciatura em História, Curso Seminarístico de Filosofia pelo Instituto de Filosofia/teologia de Goiás, Curso livre em Teologia (1993), especialização em Filosofia Clínica, e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás. Ex- Professor efetivo da PUC Goiá6ys, foi professor convidado do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás.

A MISSA DAS HORAS MORTAS: CORRENTINA E SUAS LENDAS

Revolvendo os miolos cerebrais e puxando pela memória, encontrei um caso que fustigou o meu juízo, o qual trago ao conhecimento público. Mas o faço ressalvando que, “quando me dei por gente”, essa e outras histórias de mau agouro com conotações assombrosas eram corriqueiras, desde quando a cidade se chamava Vila.

A narração dos casos provocava arrepios e sobressaltos, de tal modo que a tônica de cada palavra, o encadeamento de cada frase e a entonação de voz do narrador superdimensionavam a dramaticidade das escabrosas cenas do enredo. Recordo-me que os ouvintes sequer piscavam os olhos e mantinham-se absolutamente atentos. O trágico é que, à medida que os meninos cresciam, as histórias e seus fantasiosos aspectos adquiriam expressões reais.

Percebe-se, sem grandes exercícios mentais, que Correntina sempre se viu em meio a assombros e medos; hora temendo invasores, hora temendo os fenômenos sobrenaturais. Para o enfrentamento de tais ameaças, a população recorreu a todo tipo de armas possível. Os jagunços o povo combateu com carabinas, nas trincheiras da urbe; contra as forças do além, os fiéis apelaram aos exorcismos e rituais, além das rezas de encomendações das almas. Contudo, a fé segundo a qual vivos e mortos se cruzavam pelas ruas da cidade era tão grande, que introjetou-se no inconsciente coletivo a crença na “missa das horas mortas.” Tratava-se de uma missa noturna, celebrada após a meia noite, especificamente dita para os desencarnados, como se vivos eles estivessem. Os ritos eram oficiados na antiga matriz da freguesia, também destinada a um padre defunto.

Foto ilustrativa.

Naquele contexto, tudo fazia crer que houvesse uma pactuação entre os vivos e as almas, algo bastante compreensível na ocasião. Isto porque, houve época em que se confiava mais nos mortos do que nos vivos. Tal crença justificava a existência de uma missa especial em favor dos defuntos e por eles próprios rezada, principalmente aos que morreram em pecado mortal. Acreditando nisso, muita gente já não mais passava em frente à igreja, sobretudo após a meia noite. Na dúvida sobre arriscar ou não, preferiam dar meia volta e passar por fora. Consideravam melhor não se aproximar do Sagrado Templo, àquelas horas da madrugada.

Foto ilustrativa.

O contingente humano, de mamando a caducando”, piamente acreditava que no noturno horário as almas saiam de todos os cemitérios e outros locais da cidade para, solenemente, adentrarem a matriz no afã de observarem certos preceitos. Alguns destemidos curiosos chegaram a jurar, de pés juntos, terem ouvido o som do sino tocando, bem como as melodias dos cantos litúrgicos acompanhados pelo Harmônio de Fole, e o sacerdote defunto pregando a palavra.

Foto ilustrativa.

Assim, esses seres desencarnados cumpriam todo o rito celebrativo, à maneira dos vivos. Boatos correram pela sociedade, segundo os quais algumas pessoas escutaram o ranger de portas, o arrasto de bancos, e algumas vozes inaudíveis sussurrando. Houve até quem afirmasse que alguns defuntos cujos corpos foram carregados para a cerimônia fúnebre na igreja, ali se estabeleceram e permanecem até o presente, aguardando o dia do juízo final. Em razão disso, quando tinha vigília noturna naquele espaço, ninguém queria ser o último a sair do Templo, por medo de esbarrar-se com alguma alma suplicante.

Foto ilustrativa.

Por fim o tempo, correu, a modernização chegou e hoje não se houve mais nenhuma narrativa sobre aquele fenômeno. Deduz-se que tudo que foi narrado não passa de uma lenda bem elaborada, sem razão nenhuma de ser. Não obstante, por algum tempo o povo correntinense viveu de suas lendas e de suas sagas. Mas não faz mal, pois de quando em vez rememorar essas histórias faz bem.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.