Publicado em 16/11/2025, às 10h31.
Bramuras, de Hélverton Baiano, reúne causos que eram contados pelas famílias pra distrair a criançada.
Matéria do Jornal Opção/Tocantins, texto de Mariza Santana jornalista e crítica literária.
Bramura, em linguagem informal, pode ser sinônimo de bagunça, arte ou travessura. O múltiplo escritor Hélverton Baiano, da Academia Goiana de Letras, lançou sua mais recente obra literária, o livro de contos e microcontos “Bramuras”, no qual faz justamente travessuras com as palavras, que são transformadas em “causos” com forte ingrediente regionalista acrescido de toques de realismo fantástico.
A obra nos remete às reuniões familiares de antigamente, quando ainda não existiam o rádio, a televisão e muito menos redes sociais, para distrair e desagregar as pessoas. Nesses encontros, pais, avós, tios e outros agregados, juntavam as crianças, geralmente no alpendre da casa ou no fundo do quintal, e contavam estórias fantásticas que contribuíam para a meninada soltar a imaginação e ir para a cama embaladas por um certo encantamento.

Assim, o primeiro conto de “Bramuras”, denominado “Tio Magali veio ao mundo para nos salvar”, versa sobre um bebê cujo mijo se transformava em ouro em pó. Quando descobriram o fato, a vida da família nunca mais foi a mesma, pois era só colher a oferta do pequenino. O conto “Baleia com Flores” relata as maravilhas existentes no quintal de Chicicho Bezerra, que incluía uma baleia que comia flores, um elefante que voava, um boto cor-de-rosa “lindíssimo” e outros bichos, que deixavam os amigos estupefatos.
Essas “bramurices” de Hélverton Baiano fazem com que seus personagens tenham nomes estranhos e até extravagantes. E ainda, os “causos” não têm um desfecho tradicional (se vivo, o poeta Manoel de Barros adoraria ler a obra do bardo que Goiás tomou da Bahia e não vai devolver; no máximo, emprestará). Às vezes terminam em aberto, convidando ao leitor a exercitar sua criatividade e pensar no que poderia acontecer depois. Por isso, esses contos nos remetem às rodas de “contação” de estórias familiares de outrora, quando os epílogos eram um mero detalhe, pois a essa altura as crianças já estavam quase adormecendo e já haviam perdido o foco na narrativa.

Hélverton Baiano autografa livro na Livraria Leitura, em Goiânia | Foto: Euler de França Belém/Jornal OpçãoHélverton Baiano autografa livro na Livraria Leitura, em Goiânia | Foto: Euler de França Belém/Jornal OpçãoHélverton Baiano autografa livro na Livraria Leitura, em Goiânia | Foto: Euler de França Belém/Jornal OpçãoNo conto “Amaro Amores”, o personagem Amarildo, bem-sucedido no negócio de fazer dinheiro, era infeliz no amor e recusado pelas mulheres que lhe interessam. O romance nunca vingava. Só depois de muitas decepções amorosas e de recorrer ao tio Clécio, “que além de receitador de mezinhas tinha fama de bom conselheiro”, ele pode, enfim, encontrar seu par, ao mesmo tempo que se vingava de todas as mulheres que um dia haviam lhe dito um não. A prosa do autor é gostosa, e mesmo os “causos” mais mirabolantes dos seus contos parecem fatos cotidianos, que poderiam acontecer com algum de nós, ou com pessoas próximas. Por isso são tão divertidos. A imaginação de Baiano voa e nós, leitores, voamos juntos. O bom escritor cria uma espécie de “teletransporte”.
Hélverton Baiano autografa livro na Livraria Leitura, em Goiânia | Foto: Euler de França Belém/Jornal OpçãoA seção de minicontos aleatórios é uma atração à parte, na qual o escritor exercita o talento de contar estórias que fazem sentido por meio de poucas sentenças. “Bramuras” é uma travessura literária bem urdida de Hélverton Baiano, que já no início da obra confessa: “Escrevo contos para inventar de viver”. E acrescenta: “Bramuras é o que não devia ser feito, mas fiz questão de fazê-lo”. Quem conhece o Baiano, sabe que ele é mesmo capaz de brincar com as palavras e atiçar a nossa imaginação.
Hélverton Baiano autografa livro na Livraria Leitura, em Goiânia | Foto: Euler de França Belém/Jornal OpçãoHélverton Baiano autografa livro na Livraria Leitura, em Goiânia | Foto: Euler de França Belém/Jornal OpçãoHélverton Baiano é o nome literário de Hélverton Valnir Neves da Silva, Nasceu em Correntina (Bahia) em 1960 e se mudou para Goiânia em 1975 (por isso há quem acredite que deveria se chamar Hélverton Goiano ou Bagoiano). Desde 1980 exerce a profissão de jornalista, mas também é escritor e poeta, com 15 livros publicados e participação em antologias regionais e nacionais de contos, poesias e crônicas. Recentemente, se tornou membro da Academia Goiana de Letras (AGL). Costumo brincar que ele é o Baiano, nosso imortal goiano.
Mariza Santana é jornalista e crítica literária.
Email: [email protected]





