Publicado em 19/11/2025, às 15h10.

ROSINHA CUBÚ, A PRETA QUE NUNCA ACEITOU SER SEGREGADA @

A propósito desta semana, inserida em nosso calendário como da consciência negra, deliberei-me destacar a narrativa sobre uma expressão humana, popularmente chamada de Rosinha Cubú. Rosa não era qualquer pessoa, não obstante os incontáveis motivos para ser ignorada e jazer no anonimato. Mulher de cor, pobre e solteira, cuja moradia era de chão batido e paredes de adobe combinado com taipas. Seu meio de sobrevivência era igual o de toda família pobre de Correntina que, em sua maioria, vivia de coletar lenha no mato, além de cozinhar, lavar e passar roupas para os outros. Mas, afinal, o que levou essa senhora a romper a muralha da exclusão social de sua época? A indagação é pertinente porque, embora o índice de analfabetismo dos anos 60 fosse elevadíssimo, principalmente no universo feminino, Rosinha foi capaz de superar muitos desafios de seu tempo. E o fez devido à sua habilidosa capacidade de ler, assim como a de escrever com reconhecida desenvoltura, razão pela qual era designada a fazer leituras na igreja, instruir os jovens e treinar as crianças na relação com os livros. Ela figurava-se entre as pessoas bem informadas sobre assuntos religiosos e laicos.

Além de familiarizada com o mundo das letras e da educação, Rosinha deixava transparecer profunda sensibilidade humana, consubstanciada em seu efetivo altruísmo. Mesmo dispondo de minguados recursos, foi capaz de adotar, sustentar e alfabetizar inúmeras crianças pobres. Um caso típico e ilustrativo de sua personalidade foi a adoção de uma menina portadora de severas limitações cognitivas e, cuja mãe padecia de grave deficiência mental. Rosinha Cubú assumiu essa criança e tornou-se uma espécie de educadora sua, desincumbindo-se de tal obrigação somente quando partiu para a eternidade.


Já na condição de viúva, residente à Rua Felix de Araújo, nossa homenageada completava sua renda familiar escrevendo e lendo cartas, comentando manchetes de jornal e interpretando os livros para os vizinhos e quaisquer curiosos. Numa época em que quase 90% da cidade era analfabeta, ler e escrever constituía-se num privilégio, o que capacitou Rosinha a conquistar autonomia e tornar-se uma mulher empoderada, cidadã integrada à escolarizada elite de Correntina.

Perceptivelmente a nossa personagem tinha um histórico familiar marcado pela vulnerabilidade social, e tal constatação induz-me a concluir que ela chegou tão longe por predisposição e méritos próprios. Sua altivez e livre trânsito na alta roda social evidenciam a predisposição natural que a transformou numa líder. Era uma preta bem articulada, falante, desinibida e extremamente querida. Detentora de inconfundível bom humor, costumava dialogar olhando nos olhos das pessoas. Inequivocamente, Rosinha jamais deixou de andar com seus pares, suas vizinhas de rua, de reza e de luta.

Católica praticante, Cubú rezava todas as novenas, erguia todos os mastros de santos, rezava em todos os velórios, encomendava todas as almas, além de benzer contra todos os males e achaques. Que alma boa! Das lapinhas aos reisados, do divino à padroeira, Rosinha não perdia a ocasião. Por conta de todas essas qualidades, tornou-se depositária das memórias históricas da cidade e, consequentemente, requisitada por estudiosos pesquisadores.





