Publicado em 11/12/2025, às 22h22.

Antonio Rocha.
Possui graduação em Filosofia pela PUC Goiás, graduação em Direito, Licenciatura em História, Curso Seminarístico de Filosofia pelo Instituto de Filosofia/teologia de Goiás, Curso livre em Teologia (1993), especialização em Filosofia Clínica, e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás. Ex- Professor efetivo da PUC Goiás, foi professor convidado do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás.

SOARES: O FILÓSOFO, AJUDANTE DE CHOFÉ DE CAMINHÃO.

Algumas pessoas estão condenadas ao estrelato, outras se popularizam pela admiração que conquistam e mantém, por gerações. É o caso do enigmático e imprevisível Soares. Muitos já o conheceram daquele jeito, meio malandro, inventivo, caricato, matreiro e gozador. Vivia, às vezes sóbrio, às vezes “mamado”, como se diz na região de Correntina, quando se refere a um individuo ébrio.

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O curioso é que ninguém sabia, ao certo, a origem de tal figura, seus laços familiares, tampouco era a sua família, seus vínculos e status sociais. Chegou à cidade quase de repente, e a escolheu como berço e último. Só que resta demonstrado, houve uma troca recíproca: elle adotou Correntina e Correntina o adotou, como o fez com tantos outros forasteiros e migrantes. Correntina se tornou, definitivamente, a terra de migrantes, desde a origem e seu povoamento.

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Mas, voltando ao nosso personagem, Soares era um profundo entusiasta e praticamente obcecado por automóveis. Os cheiros de caminhão e de gasolina misturados com a poeira das estradas de chão do sertão, tornaram-se irresistíveis para este amante de boleias. Não por acaso Soares decorava todas as frases de pára-choque, além de recitar aforismos e fragmentos filosóficos adequados a cada ocasião.

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Por força dessa notável inclinação, Soares tornou-se auxiliar de chofer de caminhão. Vale dizer que um de seus patrões mais conhecidos, em Correntina, era o popular empresário Santos de Sinhá. Boato ou não, conta-se que numa certa ocasião o caminhão de Santos deu o “prego” numa subida íngreme, na faixa central da estrada, com destino à Santa Maria da Vitória. O local deste episódio, o próprio Soares denominou de “ladeira de Sinhá.”

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O fato ficou registrado e, até os dias atuais, é conhecido pelos moradores da região. Por esta e outras histórias é que o tal ajudante forasteiro deixou transparecer seu caráter, seus tirocínios, insite e jeito espirituoso de lidar com as coisas da vida . Ele era tão fascinado pelo ronco do motor e pela descarga de um caminhão, que chegava a imitar o rompante do “bruto”. Reproduzia, igualmente, os disparos da compressão de ar, nas bruscas frenagens do caminhão: “ente.. tchim, tchim. Rome, rome, rome; tchim, tchim. Ele o fazia, utilizando o próprio aparelho fonador, simulando os roncos e os breques do caminhão.

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Dizem que, certa vez, alguns jovens decidiram tirar “sarro” de Soares, afirmando que o mesmo comia às custas do governo. Descontente, Soares respondeu-lhes: “eu trabalhei com os dentes para comer com a gengiva, malandros!” À época, Soares já estava aposentado, mas seguia com seus arroubos filosóficos e costumava repetir: “quando o diabo tira os dentes, Deus alarga a garganta.” Aos que lhe pediam carona nas estradas, Soares já se antecipava dizendo: gente boa é na boleia, candango na carroceria. Se tretar, desce! Foi assim que o filósofo ajudante despertou, cada vez mais, a simpatia e o afeto da sociedade correntinense.

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Sabe-se que Soares jamais cansou-se de pôr calços nas rodas dos caminhões, quando precisava parar durante inclinadas subidas inclinadas das estradas mal construídas no sertão baiano. Mas foi, sobretudo pelas suas eloqüentes e criativas respostas aos insultos daqueles que lhe eram implicados, que Soares se notabilizou. Eis um original filósofo, gestado no útero do sertão, assim como a filosofia soaresiana que, se não lembra a antiga escola dos cínicos, ao menos se aproxima dos mais autênticos movimentos anárquicos do Brasil.

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