Publicado em 03/09/2025 às 14h01.

PEDRO, O GUARDA QUE NUNCA GUARDOU NADA, NEM DINHEIRO NEM MÁGOA.
Por Antonio Rocha.

Pedro Guarda. Assim era conhecido Manoel Pedro de Araújo, residente e domiciliado na cidade carícia. Natural do município baiano de Inhambupe, distante 926 km de Correntina, onde escolheu para morar. Muito cedo deixou os pais e se estabeleceu na cidade das águas cristalinas, no oeste baiano, tornando-se um correntinense de alma e coração. De estatura mediana, pele branca e situação financeira bem resolvida, Pedro Guarda costumava andar apressado.
Com voz estridente e temperamento explosivo, corriqueiramente estressado na condução e na resolução dos desafios. Sua conduta o projetou ao posto de criatura única da Rua Álvaro de Farias. Esses pormenores eram próprios da sua natureza e agravados, possivelmente, pelo exercício de seu oficio. Na qualidade de funcionário da coletoria e, por exigência da profissão, sempre viajava por toda a região, a fim de bem desempenhar sua função. De quando em quando passava um longo tempo fora de casa; outras vezes, rotineiramente retornava ao lar. Curioso é que, sabe-se Deus o porquê, os vizinhos o percebiam retornando para casa. Isto devido ao fato de o servidor público chegar falando alto. Ralhava com um filho aqui, estimulava outro acolá e tudo tinha que ser do seu jeito, ao seu tempo em sua hora.

Apesar de sua impaciência e da pressão oriunda do seu entorno, Pedro era um homem bom, fraterno, amoroso e solidário. Empenhado em melhor compreender sua missão de cobrador de impostos, converteu-se ao cristianismo, tal como fizera o Apostolo São Mateus. Doravante passou a viver com uma mão na Bíblia e a outra no talão de guia tributária. Temente a Deus, toda vez que se excedia na conduta, buscava sempre o amparo e a reconciliação, esculpidas nas Sagradas Escrituras. Contrito e de forma reiterada, implorava perdão, em geral o fazia publicamente. Ocorre que naquele solitário ritual de arrependimento, seu remorso exauria-se em menos de uma hora. Imediatamente Pedro voltava a encolerizar-se e xingar os seus comandados com o adjetivo “putos.” Todavia, ele prosseguia sendo um homem de Deus, o que o motivava a repetir os pedidos de perdão.
Não obstante sua instabilidade emocional, era extremamente sensível ao sofrimento alheio.
Embora genitor de uma prole numerosa, Pedro geria sua família dentro dos padrões de nobreza. Doma-se a isso o fato de que ele gerava empregos para muitos pais e mães de famílias, município a fora. Um de seus empreendimentos era a pequena fazenda de terreno, pedregoso, árido, ácido e praticamente infértil, que adquiriu na região da Luzia. Às sextas-feiras à noite, em frente à sua casa, formavam-se filas de homens com foices e enxadas. Alguns homens de pé, outros de cócoras, e os demais sentados nos aquecidos ladrilhos da calçada. Pedro, ao estilo de caixeiro, movia os olhos sob as lentes dos óculos, enquanto dedilhava a lista de nomes constantes em seu caderno. Em ordem, pagava a diária de cada trabalhador. Consta que Pedro Guarda firmava contratos com meeiros, empreiteiros e outras parcerias, para a manutenção e exploração de seu roçado. Apesar de tais investimentos, a produção de suas terras não se mostrava suficiente sequer para suprir os investimentos na propriedade.


Ignorando os reclames da própria esposa, Pedro insistia apostando que ali lhes proporcionaria, na pior das hipóteses, bem estar ou deleite. Na terra ele mantinha animais, como: cavalo, gado, jumento, galinhas e porcos. Quando de férias, diariamente seu Pedro dirigia-se ao roçado à pés, até o dia em que resolveu comprar uma Picape Ford. Desde então, aparentemente tornou-se menos difícil para ele. Mas, sinceramente, nunca vi qualquer excedente extraído de suas terras, nem mesmo um carneiro mecânico que ele tentou instalar na propriedade, visando à sucção da água de um córrego, logrou êxito.

De resto, na busca do lucro a qualquer custo, Pedro acabou beneficiando, significativamente, muitos pobres trabalhadores de Correntina. É que muitos imploravam trabalho, na esperança de que Seu Pedro lhes garantisse a feira semanal. Há décadas Correntina sofria com a ampla e absoluta escassez de toda ordem. Conseguir emprego ou diárias remuneradas era algo esporádico e causa de intensiva disputa. Daí a importância da generosidade dos empreendimentos de Pedro para com o povo de Correntina.