
Publicado em 07/07/2025 às 10h30.
A CADEIA QUE VIROU O MANICÔMIO DA TIA DO PEQUI
Por Antonio Rocha.

O ser humano sobre o qual tratarei no presente texto é, ninguém mais ninguém menos, que a Tia Sianna. Anos atrás, a jovem senhora era conhecida na região por “Tia do Pequi.” Não se sabe, ao certo, onde ela tenha nascido. Alguns afirmam que Sianna nasceu numa região denominada Cotovelo, outras defendem que ela é oriunda do Tatu, município de Correntina. Apesar dessas divergências, há informações de que Tia Sianna dividia o próprio espaço doméstico com uma matilha.

Muitas pessoas conheceram Tia Sianna, ou Tia do Pequi, quando esta já demonstrava evidente e perceptível perturbação mental. Quanto a este detalhe, há quem ateste que a sua enfermidade era antiga. Alguns pressupõem que o seu adoecimento mental se deu a partir da mordida de um cão raivoso. Mas, a propósito, o que teria feito aquela moça para se tornar vítima da loucura e, posteriormente, da cadeia? Tais perguntas permanecem sem respostas. Pode-se intuir, daí, a existência de mistérios insondáveis rondando a mente humana, os quais jamais serão logicamente respondidos. Pobre Sianna, pois não dispôs de tempo para desfrutar a juventude, como tantas outras de sua época. O destino, ou quiçá algum capricho sobrenatural, quis que fosse mordida por um cachorro portador da peste, justo no mês de agosto. Que má sorte, a dela.

Mas pudera, afinal a falta de boa sorte agravada pelo desprovimento de providências sanitárias e de controle de zoonose, foi a ruína de Tia Sianna. Sem estrutura, sem cuidado, sem agentes e sem programas para acudir a população, a Tia do Pequi tornou-se a primeira vitima da ineficiência do Estado. Ao correr a notícia de que “Tia do Pequi” fora ofendida por um cachorro doido, a cidade entrou em polvorosa. Com medo, muitas famílias fechavam as portas das residências, enquanto outras recolhiam as crianças, exconjurando a pobre mulher e deixando-a em pleno abandono.

A despeito disso, ao invés de uma assistência médica e encaminhamento para uma clínica especializada ou, quem sabe, um sanatório, encaminharam-na amarrada para a cadeia pública. Não sei se por ironia, mas foi um delegado e não um médico, quem se encarregou de trancafiá-la a pretexto de resguardar a sociedade. Mas guardou–a numa cela da cadeia. A Tia do Pequi gemia, chorava, uivava e se debatia, agredindo as paredes e a si mesma. Estrebuchava-se, contorcia-se e rasgava as roupas, deslizando o corpo no piso da cela, num comovente sofrimento humano.

Ademais, Sianna ou Tia do “Pequi”, tivera não só as vestes rasgadas, mas a sua dignidade e a sua reputação como pessoa humana. Assim, de longe se ouvia os seus gritos, os seus protestos e pedidos de clemência. Em vão! Dizem que ela babava, espumava e rolava no chão na solidão de um quarto escuro, nos fundos da prisão. Mal chegava lá um prato de comida e água. Nem visitas, nem afagos, tampouco raios de sol.

Tudo ali exalava medo, pavor, desolação e mau odor. A cidade estava assombrada e horrorizada. E ela ali, dia e noite, noite e dia, sem saber as horas, sem contar os meses corridos e os anos vencidos. O tempo parecia um dia só, mesmo os anos se passando. Tempos depois a cidade acordou com a notícia de que Tia do Pequi morrera.

De repente, um misto de tristeza e de libertação! Libertação da população da cidade e libertação pessoal, de uma mulher duplamente aprisionada: pela cadeia pública e pela cadeia mental. Recorda-se que, neste dia, o sino tocava devagar, em compasso fúnebre, anunciando a partida da “Tia do Pequi.” Ela foi a única doente mental de cujo enterro se teve notícia. Inúmeros outros tiveram mortes e enterros desconhecidos no município de Correntina.