Publicado em 22/12/2025, às 9h19.

A INTERNT E O PEQUIZEIRO.

Eu nasci e cresci nos Gerais, vendo tios e avós adentrarem o mato para colher os frutos do pequizeiro, distribuídos ao camponês como dádiva divina. Assim, depois das primeiras chuvas que caiam, como prenúncio da primavera, poder-se-ia, ali, coletar os frutos do cajueiro, do puçá, do araçá, do cascudo, do grão de galo, da cagaita, do bacupari e de tantos outros. Era tudo de graça e pela força e bonança do Cerrado. Bastava estender a mão para sentir a textura e o aroma da prodigalidade da natureza.

E assim, com olhos treinados e habilidades desenvolvidas, aqueles extrativistas sabiam escolher bons frutos apenas olhando para o formato das árvores. Em todos os anos, logo no começo de mês de setembro, homens e mulheres, invariavelmente, saíam em turmas ou sozinhos, para a colheita, disputando com os insetos, com bichos e com pessoas, os espaços, as árvores e seus frutos. Esses veteranos da caça e da cata marcavam o rumo e o prumo, abocanhando, como troféu, os melhores frutos para o seu uso comestível ou para a barganha comercial no burburinho da Vila.

Apesar disso, a vida correu e eu me mudei para a cidade. Ali, continuei a observar o mesmo fenômeno e a ouvir histórias e rabiscos geográficos, saídos apenas da mente e da memória antiga dos velhos camponeses, hoje moradores da Vila. Encantava-me esses novos cidadãos urbanos que, mesmo na “civilização” continuavam donos dos saberes das árvores e dos frutos em disputa na região.


O tempo passou, bem como também as árvores, os frutos e os seus ciclos. De repente, me vi na cidade grande, tecida de fios e de cabos aéreos, como que teias de aranha, tecidas nas matas ou nas casas de pau a pique. Também vi torres imensas apontadas para o infinito, na direção do céu, com suas luzes de tonalidades ora vermelha, ora azul, piscando nos seus aéreos espaços. Somente depois fiquei sabendo que tudo aquilo era sinais do advento da internet.


Agora, o que me espanta não é mais o emaranhado dos cabos aéreos sobre nossas cabeças. O que me deixa embasbacado mesmo são os emaranhados da complexidade dos sites, dos blogs, dos endereços eletrônicos, dos anúncios e das ofertas infindáveis de coisas e de saberes do mundo virtual. São como que rodovias, becos e estradas, podendo nos levar aos céus ou aos infernos. São vias cheias de curvas e de declives, que escondem, em cada volta e esquina, surpresas e abismos.


Hoje o cerrado é terra de poucos, mas, a internet é terra de ninguém. Ela não é para ingênuos e nem para os desavisados, tampouco para os distraídos, amadores ou gente de “boa-fé.” Nela o internauta sempre precisará da sabedoria do bom catador de pequi, porque para navegar nas suas ondas, é preciso da habilidade e do treino desse exímio coletor. Sim, é ele quem conhece os mistérios da natureza e quem tão bem aplica o adágio: “pelos frutos se conhece a árvore.” Do contrário o aventureiro estará fadado a uma má colheita, arriscando a envenenar a si e aos outros.





