Publicado em 2.10.2025, às 15h05.

Antonio Rocha.
Possui graduação em Filosofia pela PUC Goiás, graduação em Direito, Licenciatura em História, Curso Seminaristico de Filosofia pelo Instituto de Filosofia/teologia de Goiás, Curso livre em Teologia (1993), especialização em Filosofia Clínica, e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás. Ex- Professor efetivo da PUC Goiás, foi professor convidado do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás.
Foto divulgação.

AS RAIZES DA FÉ DE MATRIZ AFRICANA EM CORRENTINA.
Por Antonio Rocha.

A reflexão de hoje é sobre as origens da fé de matriz africana, praticada em Correntina. Não há dúvidas que estas manifestações são históricas, herança indelével da vasta e substanciosa cultura africana no solo correntinense. As difusas expressões vão, desde a culinária à arquitetura, permeando a música e a própria cultura brasileira. Basta uma olhadela na história e na formação do nosso povo, para constar este fato. Sua coloração, costumes e hábitos alimentares, linguagem e estilos próprios do continente africano. Eis a razão pela qual a gente correntinense não consegue desvencilhar-se dos vínculos daquela cultura, na construção da própria identidade. Essa é a prova inconteste de que temos um pé na África.

Considero desnecessário enumerar, neste breve ensaio, os valores e as marcas do universo africano introjetado na alma do nosso povo afro-correntinense. Após essa constatação, o destaque de hoje é para os elementos da fé de matriz africana presentes na terrinha.

Foto divulgação.

Desde períodos recuados da história, eles são encontrados na prateleira do tempo. Seja a missão/profissão das parteiras ou a atividade das benzedeiras, rezadeiras, curandeiras, encomendadeiras, traduzem os influxos da África sobre a nossa brasilidade. É provável que o receio do preconceito, das batidas policiais, das incompreensões e da ignorância da população, imprimiram traumas que povoaram a cabeça dessas lideranças de alma africana. Não obstante, as manifestações de fé fortemente carregadas de elementos africanos, há tempos perduram em Correntina. Vale dizer que, embora segregados, discriminados, invisibilizados e, por vezes, combatidos e atacados, eles persistem. A repressão discriminatória não revogou a convicção dos afro-correntinenses e outros cultores dessa fé resistem.

Graças à resiliência popular as manifestações chegaram até nossos dias. A título de exemplo, trago para o (a) leitor (a) um dos mais vibrantes e respeitados fenômenos da cosmovisão africana, situado no bairro São José. Refiro-me à Casa da mística Mãe Rosa, leia-se Casa da caridade Yemanjá e Vó Cambinda. Trata-se de um belíssimo espaço, ornamentado de santos, oratórios, entidades, ar fresco e muita luz. Na parede, um banner descritivo com a programação semanal dos trabalhos. Na assembleia, uma guardiã que cuida de tudo e a tudo observa. Ela pede aos frequentadores descruzarem as pernas, soltar os braços e observarem o silêncio. Desta forma a moça vai organizando os fiéis e aqueles (as) que irão receber os passes. Após a pausa silenciosa, os (as) consagrados (as) fazem a memória de seus antepassados, de seus sofrimentos, lutas de resistência na ginga da capoeira e na força dos orixás.

Foto divulgação.

As músicas cantadas de cor animam e ditam o rito, recordando histórias e biografias dos orixás de etnias africanas e indígenas, numa reprodução da tradição oral. Outrossim, adicionam elementos do cristianismo católico, num verdadeiro sincretismo religioso. Tudo acontece numa assembleia de fiéis, em sua esmagadora maioria jovem. Para lá encaminham-se, na esperança de aliviar os problemas, fortalecer a fé, reconectar-se com o sagrado e promover a fraternidade.

No centro do comando, a Mãe Rosa e seus auxiliares acolhem a todos, com um amor maternal. Nos ritos iniciais, a invocação dos santos e das santas, sustentados pelos cantos, palmas e o retumbar dos atabaques, durante a execução do Pai Nosso. Em seguida, procede o incensamento e o recebimento das entidades. Concluída essa parte ritualística, Mãe Rosa benze, abençoa, purifica e abre os caminhos para os fiéis que dela se aproximam.

Sem proselitismo, a Mãe de Santo nada pede a não ser a boa vontade na doação de velas para o culto e de alimentos para os economicamente vulneráveis, que recorrem às doações realizadas pela instituição religiosa. Estamos falando, naturalmente, da Umbanda. Esta é, certamente, a primeira instituição registrada e reconhecida pelo poder público e acolhida pela sociedade correntinense, a dedicar-se a tal trabalho.

Foto divulgação.

Além do terreiro da mãe Rosa, também existe, em Correntina, o Shopping de Oxum conhecido por Pai Joaquim das cachoeiras. É uma espécie de loja que vende produtos religiosos para sustentar, com seus símbolos, a liturgia, as vestimentas, os incensos e outros Itens indispensáveis. Interessante perceber o bom funcionamento do artigo 5 da Constituição Federal, referente à salutar liberdade de culto, no território brasileiro.

Como na maioria dos terreiros, geralmente os cultos iniciam-se a partir das 19h de todas as sextas-feiras. Os primeiros preparativos são realizados numa sala restrita aos iniciados, com orações, súplicas, invocações e cantos acompanhados pelo toque dos atabaques. Em seguida, o público fiel é convidado a encaminhar-se à consulta, aconselhamentos, limpeza espiritual e desobstrução de vias.

Foto divulgação.

Finalizada a sessão, invariavelmente as pessoas que saem leves, esperançosas e otimistas. Há boatos, inclusive que, para além da Casa Mãe Rosa, deve haver outros eventos religiosos de natureza afro-brasileira. Apesar de tudo, pode-se celebrar a manifestação pública de fé de origem africana no Bairro São José que, curiosamente, está plantada no Bairro criado pelo Monsenhor André Frans Bérénos.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.