Publicado em 28/8/2025 às 14h33.

CORNELINHO PÉ DE FOICE.
Por Antonio Rocha.

Eis o epíteto pelo qual o personagem da vez era conhecido. Jamais alguém descobriu a que pretexto o nosso Cornélio atendia por esse cognome. Acaso seria por ele ter os pés em formato de foice, com a curvatura voltada para dentro e andar como se estivesse roçando? Interrogação que perdurará sem resposta, pois há anos a mencionada figura não está mais conosco. Quanto ao diminutivo “Cornelinho”, presumo que seja devido à sua pequenina estrutura corporal. O fato é que, física e mentalmente, Cornelinho detinha as mesmas características de criança. Tal percepção é corroborada pela confissão de um amigo que o vestia com as roupas do próprio filho.

Uma coisa posso atestar: Cornélio era de uma humildade extrema e de uma simpatia singular. Era bem-quisto, sociável, cristão praticante e de ingenuidade incomum. De cútis branca, cabelos pretos lisos, nariz avantajado e de fisionomia fora dos convencionais padrões de beleza. Costumava interagir-se com todos, usando um vocabulário extremamente genuíno e agia, invariavelmente, na defensiva, embora poucas vezes se sentisse ofendido. Independente disto, Cornélio era um moço esperto, mas calunduzeiro, e somente afagos e carinho apaziguavam seu ânimo.
Cornélio pé de Foice veio de lá das brenhas da roça e, do seu jeito, procurou adaptar-se à realidade urbana, a despeito do seu andar meio desengonçado, jogando o corpo para lá e para cá. Aparentava vivacidade e, em certas ocasiões, fingia-se de tolo para se dar bem e alimentar a proximidade com as pessoas. Ademais, Cornélio era realmente um homem puro, casto e de bom coração.
Ele não somente preservou-se na castidade, isto é, conforme os padrões éticos e postura moral personalísticos, mas adotava o mesmo rigor com o próprio dinheiro. Este, ele o manteve guardado, ora na cirola, ora no colchão. Quem testemunha isto é Nelson do padre André, segundo o qual, quando Neuran de Alfredinho foi tutor de Cornelinho, certa vez foi obrigado a levá-lo para um banho antes de realizar exames médicos. Ao se ver despido Cornelinho quase perdeu o juízo. Contam outras línguas que, ao vasculharem a sua cirola, encontraram nela uma quantia de 13.000,00 (treze mil reais) em espécie, para o espanto de todos. É dado como verdade que, por ocasião de sua morte, descobriram volumes de dinheiro já embolorados e “mocozados”, envoltoos pelos forros do colchão. Assim era Cornélio, seguro, comedido e prevenido. Só não se preveniu da grave enfermidade da próstata, que o matou.
Cornélio vivia da atividade de lenhador, servindo e alimentando as cozinhas do mercado municipal. O que destoava, entretanto, é que Cornélio vestia-se de branco enquanto ia colher na mata lenha para comerciar. Sim, o moço era o tipo que gostava de andar lorde, como se dizia à época. Andava bem vestido e, se possível, de paletó, relógio no pulso e perfumado. Em razão disso, não hesitava-se em fazer uma visita ao padre André, a fim de ajeitar algumas roupas doadas, oriundas da Holanda e distribuídas gratuitamente para a população menos favorecida do município.
Por fim, ao encontrar-se adoentado, Cornéllio dirigiu-se à casa do Nelson, em Goiânia, em busca de tratamento médico. Ali, foi acolhido e bem tratado, embora dando muito trabalho, devido o seu exagerado pudor. Para a realização dos exames, alguns dos quais exigiam estar despido, Cornelinho morria de constrangimento e vergonha. Despir-se na frente diante de alguém era, para ele, o fim do mundo. Deixar-se ser conduzido por outra pessoa era igualmente uma tortura. Proprietário de uma surrada sanfoninha pé-de-bode, sua humilde timidez não o impedia de manuseá-la em confusa musicalidade. Acontece que, finalmente, Cornélio morreu sob os cuidados do Padre Carlinhos e do abrigo dos idosos, em Correntina, deixando para a cidade um elevado exemplo de simplicidade e pureza.