Publicado em 11/08/2024 às 21h30

Por Antônio Rocha Souza.
Por Antonio Rocha.

EXTINTA PROFISSÃO

Era assim em Correntina, há tempos atrás… Antes de saírem para o trabalho eles ajeitavam a aparência, testavam a voz, dava um trato no cabelo, alinhavam as roupas e preparavam os músculos das pernas e das panturrilhas, para dar a largada. Eram todos meninos, adolescentes ou rapazolas, que buscavam se ocupar com alguma atividade remuneratória.

Padaria do Padre André.

E assim eles se espalhavam pelas manhãs e tardes, andando por toda parte da cidade. Antes de o sol raiar, e às três horas da tarde, cumpriam a função como num rito de pontualidade britânica. Era assim! O pão não podia faltar à mesa no café da manhã e nem no café da tarde em hipótese alguma.

Padaria da Dona Duva

Desse modo, cada um ia buscando os bairros e as ruas, descobrindo os melhores nichos de negociação. Isto é, as residências dos mais abastados da urbe. Ruas e casas iam sendo impregnadas do cheiro de pão quente e invadidas pelas vozes daqueles hábeis mancebos. Pela cidade essas vozes iam sendo entoadas com todos os timbres e sons: agudos, médios e graves. Às vezes ouvia-se algum desafino em razão da mudança de voz de algum adolescente. O que muitas vezes era motivo de chacotas e piadas. Quando era assim, o menino dava um tempo, fazia uma pausa na vendagem do pão, esperando a passagem de mudança de voz.

O pão saía fresquinho dos fornos das padarias do lugar. E o seu cheiro era conhecido pela população por toda a redondeza, assim como a voz de cada adolescente. Eles se tornaram muito populares na sociedade, porque todos os conheciam pelas suas fisionomias e pelos próprios nomes: Pelé de Pretinha; Vanjinha de Isabel; Nenê de Dida, lingüiça do alto do cemitério e tantos outros…  Tudo isso era motivo de orgulho e vaidade, o que não deixava de mexer com a alta estima dos garotos.  E os gritos de: ói o pão de sal, de doce… Ói o pão sovado, carteiro, carioca ecoavam longe…  Entrecortando os bairros da cidade ressoando mundo afora.

Vamos chegar freguês! Anunciavam eles… As janelas iam se abrindo, as portas rangendo as dobradiças e as senhoras com as cestas ou bandejas, saiam nas calçadas para aparar os pães. Pão francês, feito com farinha argentina pelas mãos brasileiras. Penso que, “o vendedor de pão,” foi uma das primeiras profissões dos meninos pobres do meu bairro, e, por sinal, muito concorrida entre nós.

Mas, em razão da concorrência, nem todos os meninos eram capazes de encontrar uma vaga naquela atividade. Já que se exigia dos candidatos uma mínima estrutura como: banhos com sabonete de cheiro, calça ou bermudas apresentáveis e sapatos ou sandálias com boa aparência.

Aquelas imagens dos meninos com tabuleiros sobre as cabeças, nunca se descolaram das retinas das gerações dos anos sessenta e setenta. E tampouco a lembrança da fumaça aromatizada de pão ainda fumegante, recém saído do forno. Ainda permanece na memória… O rosto de cada menino; os seus nomes e apelidos; a forma de anunciar a mercadoria, as habilidades de cada vendedor em vender o seu peixe, ou o seu pão… Tudo está no inconsciente coletivo do povo. Entretanto, talvez essa seja hoje uma extinta profissão, como tudo que nasce nessa vida e se destina a morrer.

ARS.

 

 

1 COMENTÁRIO

  1. Por incrível que pareça eu cheguei pra Correntina em 1993 vindo da zona rural e ainda tinha uns 3 vendedores mas em meados de 94 já não se via mais o canto desses artistas. Que boa recordação e reflexão do nosso pão de cada dia! Prof. Antônio rocha.

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