Publicado em 03/12/2025, às 9h10.

Antonio Rocha.
Possui graduação em Filosofia pela PUC Goiás, graduação em Direito, Licenciatura em História, Curso Seminarístico de Filosofia pelo Instituto de Filosofia/teologia de Goiás, Curso livre em Teologia (1993), especialização em Filosofia Clínica, e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás. Ex- Professor efetivo da PUC Goiás, foi professor convidado do Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás.

O AERÓDROMO DE BARRO DE CORRENTINA

O Aeródromo de Correntina mais se parecia com um “Aeropoeira do que com um Aeroporto. Sua pista de pouso continha uma biruta branca, indicando ao aviador a direção do vento. Foi lá pelos anos 70, e eu ainda era muito pequeno quando conheci aquele espaço.

Foto publicada no livro História de Correntina – Escritor Hélverton Baiano.

Na época, eu não conseguia entender a real utilidade daquela grande avenida de terra vermelha, tampouco saber seu verdadeiro nome. Recordo-me, dentre outras coisas, das traquinagens de meninice e de quando um dos nossos colegas caiu de ponta-cabeça, tentando ver o que havia dentro daquele coador preso no poste.

Foto publicada no grupo Relíquias de Correntina – Facebook.

Naquele campo de avião, como era chamado o aeródromo, descia uma máquina voadora que raramente aparecia na cidade. Chegava sempre provocando barulhos estrondosos e estranha ventania. Antes, costumava dar voltas no ar para, em seguida, descer se ocultando por detrás do mato e voltar taxiando até estacionar. Ocorre que a pista era uma avenida de terra vermelha, ladeada por arbustos conhecidos por unhas de gato. Nas extremidades, um grande “coador branco”, erguido no alto do mastro. Parecia um saco comprido em forma de funil, fixado lá naquele poste, comumente chamado de biruta. Ela servia para orientar os pilotos durante a decolagem e a aterrissagem.

Foto: População recepcionando visitantes ilustres no campo de avião (antigo aeroporto) – publicada no grupo Relíquias de Correntina – Facebook.

Na ocasião, estouro de foguetes e barulho de motor de avião funcionavam como prenúncio da chegada de alguém. Ao ouvir os barulhos, parte da cidade corria ao campo de aviação para ver e testemunhar a aterrissagem da aeronave, em geral, um monomotor. Muito raramente se via descer algum bimotor. Antes de aterrissar, habitualmente o piloto fazia lá as suas graças, os seus rituais e as suas deferências, como que um noivo cortejando a noiva. Daquilo nasciam acrobacias, piruetas e vôos rasantes, eventos que se notabilizaram na cidade de Correntina, graças ao grande e destemido piloto, conhecido pelo epíteto de Totonho.

Foto aérea de Correntina – publicada no grupo Relíquias de Correntina – Facebook.

Também, responsável por tão admiráveis façanhas e dotado de inimitável coragem, quem não o conhecia? Quando ele chegava à cidade e encontrava Correntina com céu de brigadeiro, repetia suas estripulias, suas proezas e suas acrobacias. Tentava passar entre as torres da igreja, descia lambendo o rio, desviando-se dos fios elétricos, para em seguida subir o morro do estreito. Antes de descer no aeródromo, cruzava o teto da barragem, de ponta-cabeça e em voo rasante, quase arrancando os telhados das casas. Vendo aquilo, havia quem jurasse que Totonho só fazia aquelas loucuras por causa de uma paixão secreta que, até hoje, nunca foi revelada.

Foto aérea de Correntina – Foto publicada no grupo Relíquias de Correntina – Facebook.

A essas horas, muita gente já estava no campo de aviação à espera da descida de Totonho. Ironicamente, as pessoas desavisadas não se lembravam da poeira que revestia o chão do aeródromo, e de lá voltavam com o terno, outrora branco, todo amarronzado. Os cabelos arrepiados, como se tivessem visto assombração, pois o vento produzido pelo avião impactava tão fortemente, que não havia penteado que se segurasse. Às vezes, enquanto os homens seguravam firmemente os seus chapéus, as mulheres não sabiam se seguravam o vestido ou se cuidavam dos cabelos. Tudo que fosse relativamente leve, estava suscetível a ir para os ares.

Foto ilustrativa.

Por fim, aqueles aviões sempre faziam a festa dos adultos e das crianças. Ainda me lembro de correr pelas ruas para pegar panfletos atirados, lá de cima, pelas aeronaves. O avião era, de fato, um instrumento de comunicação: distribuíam santinhos dos políticos, davam avisos em pedaços de papéis escritos, alertavam a população sobre algo importante, além de outros serviços de utilidade pública. Porém, quando aquela máquina voadora descia e estacionava, era preciso aguardar “a poeira baixar,” literalmente falando.

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