Publicado em 15/10/2024 às 18h20
O DESERTO E A FONTE.
Por Antonio Rocha.
Quando ele ali chegou, fiquei olhando em todo o seu aspecto… O seu turbante azul, o cajado de cedro na mão, as alpercatas de couro já surradas nos pés e o roupão cumprido e desbotado, gasto pelo tempo. Ele, homem de rosto magro com algumas rugas nos ângulos dos olhos, tinha olhar profundo e sereno, próprios de quem conhece pela janela do tempo a alma humana e o umbigo do universo.
Também reparei pelo seu caminhar, que tinha passos firmes, postura elegante inclinada pra frente e conduta determinada. Ele parou para encher o cantil de água e abastecer o seu alforje com farinha de centeio e carne seca de ovelha.
Não conversava muito. Apenas e só o necessário. Cortês, atencioso e comedido, guardava dentro de si uma profunda sabedoria sobre a vida no deserto, isto é, os seus mistérios, as suas armadilhas, bem como os seus encantos e dádivas. Nascera por lá e por lá vivera até os dias atuais. E, apesar de toda a brutalidade e rusticidade do seu mundo, ele sabia arrancar dali a alegria de viver e o sentido da vida. Curioso… prestei bem atenção nos seus modos e exclamei: é um genuíno ser do deserto!
Confesso que a aquela figura, por um instante, fez-me pensar sobre a dura vida do seu habitat, levando a minha imaginação a visualizar toda a extensão da sua realidade vivencial… Exato como alguém que entra na cena de um filme, usando binóculos em terceira dimensão. Por fim, pensei no deserto e os seus medos… Medo dos seus dias ensolarados; bem como, das noites, e o desespero trazido pelo véu da intensa escuridão e nas baixas e insuportáveis temperaturas.
Ao despertar daquele êxtase, não mais vi, o peregrino… Partira… Continuando assim o seu itinerário… Sempre levando o sol como o dia, aquecendo a areia dos pés. E na noite uma estrela, para rasgar a escuridão e apontar o norte a seguir. Na sua jornada, apenas um cajado para firmar os passos à luz do dia e guiar a visão noturna no labirinto da noite. E assim sucedem os dias do seu viver, até tudo se consumar…! Isto mesmo… Um cajado, um alforje e um par de alpercatas de couro… Era tudo do que precisava para atravessar o deserto, rumo ao seu destino.
A vida é isso. Certamente somos todos seres do deserto… Assim, quando fugimos do dia, caímos na noite; quando fugimos da noite, caímos num dia quente de rachar peba sob um sol escaldante. Surpresas e temores hão de nos aguardar em cada esquina desse nosso deserto existencial. Nele, a mente e o coração são inevitavelmente surpreendidos dia após dia, em cada palmo percorrido do nosso existir.
Conclui-se, que, tal qual esse homem do deserto, também precisamos descobrir os segredos da aridez da vida desvelando, desencantando e pacificando os seus mistérios, até nos acostarmos num oásis refrescante. Mas, para a travessia de um deserto não se carrega muita coisa. Se se acumula a mala pesa e não se consegue transpor os obstáculos, ficando por certo, na solidão do caminho. Contudo, é nisto que consiste a sabedoria do viver. Somos todos viandantes do deserto. A vida é por si um deserto com todos os seus mistérios, todas as suas armadilhas e emboscadas. Se assim o é, então é preciso vencê-lo e avançar para as fontes, d’onde brota oásis de alegria e esperança.
Antonio Rocha.
Parabéns pelo trabalho Sr Antônio
Parabéns meu amigo pelo trabalho, sábias palavras… obrigado por tudo… vamos em Deus.