Publicado em 21/08/2024 às 21h21
O PADRE E OS POSSESSOS.
Foi exatamente ali, ou Lá… Lá onde as éguas se perderam ou foram encontradas. Justo nas tranquilas margens do rio, que fazia brilhar do seu reluzente ventre, o tão atraente e desejado metal. Sim, ali mesmo, onde foi dado por certo que o vaqueiro se regozijou ao reencontrar a sua manada de éguas, pastando e se abanando naquelas verdes margens. E jurou naquele lugar plantar uma bonita capela, em honra a Nossa Senhora da Glória.
Pois bem… Assim dito, assim feito. Depois de tantas idas e vindas dos padres de pele branca, apareceu, por fim, naquela cidadela, na década dos anos cinquenta, um recém ordenado padre formado na Sementeira das Minas Gerais. Os registros dão conta de que, o referido homem de Deus, era natural do Suriname e incardinado na Diocese da Barra do Rio Grande, na Bahia. O seu destino e a sua missão eram cuidar de gente. E assim o fez, dia e noite, noite e dia, de tal modo que todos acorriam e recorriam à sua casa, aos seus cuidados e às suas intercessões, fugindo assim, dos demônios que os atordoavam. Sim, porque estes eram muitos e variados na sua natureza e maldade.
Ocorre que é da natureza do demônio não escolher classe social. E, sendo assim, quando este resolve se apossar de um corpo, não faz distinção entre rico ou pobre, nobre ou plebeu, letrado ou analfabeto. Fato que, naquela cidade, ainda hoje, muitas pessoas são testemunhas oculares das muitas e impressionantes possessões, daqueles malignos espíritos. Fenômeno que assustava, sobremaneira, a população local e amedrontando quase todo o vilarejo. Em razão disso as crianças, apavoradas, não dormiam, enquanto as beatas multiplicavam as suas novenas e debulhavam o terço, no afã de aplacar a força tenebrosa do mal. De forma que cada possessão espiritual era motivo para uma multidão alvoroçar a cidade, fazendo com que todos corressem daqui para lá e de lá para cá, sempre na direção da casa do sacerdote, para lhe suplicar ajuda.
Certo é que, todos dali, acreditavam ser o Padre um homem de Deus. Isso porque aquele exorcista sabia bem separar as suas armas, para o efetivo combate contra os possessivos inimigos do povo. Desta forma aplicava, no seu tempo e ocasião, uma espécie de antídoto, sempre observando a necessidade do momento e a especificidade de cada ente maligno.
O sábio vigário conhecia muito bem a sua freguesia e os diabos que lhes rondavam. E era por isso que fazia acompanhar com a cruz, o sopro e a aspersão, também o pão, o leite quente, o café e a boa refeição. Tudo para refazer as energias e restabelecer a vida. Sem isso, tais possessos tornavam-se presas fáceis da rede do mal. Desse modo, a cada oração o padre fazia acompanhar de uma farta refeição, o que permitia o reforço da pessoa para empreender nova caminhada.
Por fim, o que se sabe de fato é que o remédio do vigário, que invariavelmente fazia feito, era um misto de benzeção e comida. Isso porque, entre belzebu e lúcifer, haviam os espíritos da má fé, da avareza e da exploração, que só podiam ser combatidos com o ritual do pão… do céu e da terra. Foi assim que o jovem vigário, com o tempo, aprendeu quase que, como um médico, a diagnosticar os males do povo do lugar. E profetizou… A fome é um inferno povoado de seus demônios!
18/08/24. Antonio Rocha
Mais um belo texto do autêntico intelectual nascido do meio do povo de Correntina, sempre a destoar na escrita, alma e ação, das hordas de charlatães e de seus lobbies, cheios de pose que serve de manta aos medíocres de conhecimento e de caráter desta cidade. É um deleite ler seus escritos, estimado Antônio Rocha de Souza. Seus escritos são verdadeiros oásis no meio da aridez da mais profunda ignorância, iletramento e charlatanismo reinante em Correntina! Oxalá nunca nos falte com tão belos, vivos autênticos textos! Meus parabéns! Minha gratidão.
Gostei .. realmente a fome é um inferno…ela consegue desequilíbrar o meio e quebrar correntes e faz aparecer o que o povo chama demônio em meio ao caus das comunidades pobres. Parabéns Antônio rocha por lembrar desses fatos com padre André..