Publicado em 20/8/2025 às 06h22.


PAULO, O GASOSEIRO DA BOA VISTA.
Por Antonio Rocha.
Um integrante da galeria dos célebres personagens de Correntina, a quem dedico o presente ensaio, é Paulo Gasoseiro. Habitante das bandas de Boa Vista, município de Correntina, seu Paulo vivia da agricultura, sobretudo do cultivo da banana e da cana e derivados: garapa, melado e rapadura.


Boa Vista, comunidade constituída de pessoas de boa índole: religiosa, festeira e trabalhadora. Seu Paulo, uma espécie de conselheiro e liderança da região, gozava de boa reputação e da estima local. Personalidade distinta, alegre, conciliadora e hábil na arte de negociar. Além do roçado, por meio do qual explorava a terra para o sustento da família, Paulo da gasosa tinha tino para outros negócios. Da produção de cana, ele atinou-se para a invenção e a produção de gasosa, produto amplamente aceito em todo o município de Correntina.


Consequentemente, o destacado morador da Boa Vista conquistou o reconhecimento e o epíteto de Paulo Gasoseiro. Constituiu-se em ponto fixo na feira da cidade, cujo intenso movimento ocorria aos sábados. Ali, Gasoseiro instalava a sua engenhoca transportada num carro de boi ou no lombo de um cavalo. Todo o maquinário que costumava utilizar era estacionado num canto visível da praça da feira, onde os fregueses costumavam se aglomerar para degustarem a famosa gasosa de Seu Paulo. Segredo absolutamente da família, ninguém mais sabia sua receita.


Para aumentar a clientela e o lucro, o nosso artesão de bebidas reveza-se no deslocamento para as feiras de Correntina, realizadas aos sábados, e igualmente para as feiras dominicais do Grilo. Nos grandes eventos, como nas festas do Divino e do Rosário, assim como nas festas da padroeira, assiduamente Paulo Gasosa movimentava seu ponto e desbancava os concorrentes. Ele próprio plantava, colhia e moía o canavial que produzia no roçado. Após moer a cana, deixava a garapa se fermentar, colocava-a nos cantais, para depois servir aos fregueses a fresca bebida, preparada à base de limão, caldo e bicarbonato.

O sabor daquela bebida era incomparável, pois resultava da mistura de caldo de cana com suco de limão e bicarbonato, na exata medida. Em seguida, a bebida era servida num copo ou num coité, ao gosto do cliente. Repetia-se nas festas de casamento rural, ou nos grandes festejos da cidade, onde as damas se deliciavam. Era incomum ver mulheres nos bares ou nas festas, com canecas de bebidas destiladas, ou à base de fermentação, já que tais ocasiões os homens pediam cerveja, enquanto as mulheres preferiam gasosa. Era, de fato, uma bebida desejada, de tempero elegante, um suco de cana carbonatado, efervescente e não alcoólico. O destaque era quando o líquido sopitava no caneco, formando uma gola de espuma branca, três centímetros acima da borda.


Sem dúvida, Paulo era um homem de múltiplas habiidades. Comunicativo e atencioso, conquistou, estruturou e aumentou sua clientela, como um hábil líder regional. Sua casa era ponto de reuniões eclesiásticas, sindicais e sociais, de orações, novenas, reisados e chulas. Ali, os camponeses discutiam e resolviam suas contendas e conflitos, encaminhavam demandas e enfrentavam invasores de terras. Apesar de sua inconteste liderança, Paulo nunca se candidatou a nada. Quis ser apenas um homem livre e cidadão consciente. Prestativo, visionário e comunicativo, viveu até os seus últimos dias exibindo sorrisos por trás de um bigode, sempre autêntico e simpático.
Fantástico os textos de nosso mestre filósofo e teólogo, Antônio Rocha. Suas viagens pelo nosso passado nos trás grandes resultados; trás ao presente memórias de celebridades por muitos esquecidas.
Como me lembro desta “coca cola” do passado! A gasosa nos proporcionava um arroto prazeroso, cheio de satisfação e vigor… sem falar que nela não havia nenhuma contra-indicação ou futuras consequências, como os corrosivos refrigerantes da atualidade, de pura qUimica.
A sétima foto do texto é de minha autoria, faz parte do acervo doado só JC.
Não me canso de tecer elogios a esse time de colunistas do JC, pela riqueza de detalhes e valores culturais expostos em seus artigos, que tornam esse periódico JC, atraente para os amantes de nossa cultura; os sedentos por conhecimento e sobre tudo a honra dispensada as nossas personalidades históricas, nos fazendo sentir que o nosso passado está vivo em nós.
Gratidão! Que mais eu poderia dizer como forma de reconhecimento, além de um forte abraço na primeira oportunidade de um encontro com um de vocês, quando o achado nos por diante um do outro.
Parabéns JC por esta grande seleção de colaboradores e a vc Antônio Neto, por nós possibilitar tudo isso, ao reeditar o nosso JC, herança do saudoso Lúcio Machado Pedro Neves.
Grato, Flamarion, pelo seu comentário e pelo seu cuidado e interesse, para com a cultura e a história de Correntina. Você é guardião de tudo isso…
Antônio Rocha é mais que um escritor, é um verdadeiro guardião da memória de Correntina. Com a sensibilidade de um filósofo e a precisão de um historiador, ele transforma vidas anônimas em narrativas grandiosas, revelando a beleza e a profundidade daqueles que, muitas vezes, passaram despercebidos. Sua escrita, leve e penetrante, nos envolve de tal forma que é impossível não se emocionar. É como se caminhássemos pelas ruas da cidade ao lado de cada personagem, revivendo cenas com tamanha riqueza de detalhes que tudo se torna vívido e palpável. Antônio, seu trabalho é um ato de generosidade com a história, um presente para nossa identidade cultural. Obrigada por eternizar, com tanta elegância e humanidade, os rostos invisíveis que ajudaram a construir a alma de Correntina.
Gratidão pela sua generosidade, professora Laura! Os comentários aos textos sempre acrescentam, enriquecendo-os, sobremodo… É o caso aqui da sua fala e do modo como você amplia o anglo de visão do artigo. Obrigado!
Grande Antônio Rocha de Souza! Obrigado por mais um de seus textos bem escritos e cheios de lucidez. É você, meu caro teólogo, filósofo e Bacharel em Direito, quem salva este pasquim, voz de famílias tradicionais de Correntina-BA!