Publicado em 7/11/2025, às 06h15.

UM CASO DE AMOR COM A BAHIA.
Por Gecílio Souza

Todo ser humano é
Uma escrita sem grafia
Uma história não narrada
Da própria idiossincrasia
Um mistério ambulante
Indecifrável biografia
Remorsos, rumores e romances
Em forma de drama ou poesia
É uma lâmpada refletida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

Gente inserida no mundo
Feito de miséria e alegria
Descende de duas mães
Sem elas não existiria
Mãe terra e útero materno
Concedem a vital franquia
O útero me deu existência
O ethos me deu estadia
Digo com gratidão incontida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia
Quadriâgulo amoroso
Traduz esta companhia
No seio da natureza
Com enigmática maestria
Me fez gestar em dois ventres
Não é qualquer cortesia
Fui embrião numa mulher
Que outrora me concebia
Me deu amor e guarida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

Num lugar singelo e simples
Desta imensa geografia
Um ser, um projeto de gente
Na casa de taipa nascia
Este entusiasta das letras
Amante da sabedoria
Minha terrinha é meu ethos
Ao ethos não se renuncia
Só na última despedida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia
E o útero que me gerou
Minha simbólica moradia
Os braços que me acolheram
Foram a minha garantia
Um lar tridimensional
Fez tudo quanto podia
E os meus pais foram pais
24 horas por dia
Uma gratidão incontida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia
O Brasil oficial
Da “santa” lusocracia
Abriu os olhos e andou
Como um infante que corria
Foi traçado no horizonte
O que mais tarde seria
Um dos maiores do mundo
Com contradições e fantasia
Sou fração nele contida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

Na Baia de todos os santos
A portuguesa monarquia
Pôs os pés em terra firme
E com ufanismo dizia
Ter feito a maior descoberta
Que o Pedro Cabral faria
Por santa cruz de cabrália
A coroa a batizaria
A pesar desta ferida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia
Mais tarde em Porto Seguro
O lugar se transformaria
Dali a coroa portuguesa
Ferozmente se expandia
Matou índios, confiscou terras
Impôs-lhes uma teologia
A comunidade silvestre
Bravamente resistia
Nossa história é corrompida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

Os invasores europeus
Da cristã supremacia
Assaltaram o pau Brasil
E tudo que aqui havia
O ouro e outros minerais
A voracidade crescia
Bíblia e espada nas mãos
Descambaram para a orgia
Apesar desta investida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia
Berço da literatura
Da música e da melodia
Do candomblé e do tambor
Do berimbau e da magia
É onde a deusa Iemanjá
O povo reverencia
É neste rico lugar
Que há a dupla folia
A terrinha é divertida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

O reisado e o carnaval
Sem competição ou porfia
Alguns vultos da história
Formam a bibliografia
Castro Alves e Ruy Barbosa
Figuras de grande valia
As Marias Quitéria e Felipa
Que o livro negligencia
Esta terra é bem servida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia
Um fato político histórico
Para sempre marcaria
O calendário baiano
Quem conhece se arrepia
Foi a Guerra de Canudos
Símbolo da gente bravia
No auge do império infame
Um messiânico o desafia
A memória não perdida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

Bravo Antônio Conselheiro
À sua gente instruia
Povo pobre e muito humilde
Com coragem aderia
O império foi para cima
Da “perigosa” ideologia
Isto porque Conselheiro
Um socialismo instituia
Aquela gente aguerrida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia
As grandes expressões baianas
Formam uma vasta galeria
Cada um deixou sua marca
A pátria lhes deve a fatia
Pelo honroso pioneirismo
Que supera a nostalgia
São ícones da nossa cultura
E a cultura quem diria
Muito mal agradecida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia
Não faz justiça ao mérito
Nem os trata como deveria
Um célebre Anísio Teixeira
Não aparece todo dia
Revolucionou a educação
Pagou pelo que defendia
A ditadura lhe ceifou
Freando a democracia
A nação foi empobrecida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

O jurista Teixeira de Freitas
Que o direito conhecia
Mas o regime imperial
Lhe matou porque o temia
Jorge Amado e Caymmi
Inteligência em harmonia
E tantas outras figuras
Dignas de tal cortesia
Nossa terra é agradecida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

Porém isto não é tudo
Para a nossa alegria
Nesta terra nada falta
Hospitalidade e simpatia
Povo afável e receptivo
Que confia e desconfia
Gregório, o “boca do inferno”
Com firmeza combatia
Nossa terra é destemida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

A história desta terra
Forma a maior livraria
A terrinha é generosa
Altruista sem quantia
Exporta a todo o planeta
Samba, forró e cantoria
Raul Seixas, Caetano e Gil
Cantando a filosofia
Povo de cabeça erguida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia

Cultura inesgotável
Porque cria e recria
Nesta terra há o repente
O carnaval e a poesia
Cantores e compositores
Ocupam grande galeria
Gal Costa, Xangai e outros
Há folclore e romaria
Esta terra é bem querida
Meus três amores da vida
Minha cepa, alguém e a Bahia





