Publicado 13/8/2025 às 13h15.

MIGUEL DE SEU NÉ: SENHOR DE TROPAS E NEGÓCIOS.
Por Antonio Rocha.


O registro biográfico esculpido no artigo de hoje é referente a uma das emblemáticas figuras de Correntina. Trata-se de um homem duro nas palavras, extremamente humano nas ações. Geralmente ao cair da tarde, quando os olhares voltavam-se para qualquer horizonte, poderia surgir a numerosa tropa de Miguel Coimbra, munida de mercadorias. Era dessa forma que os burros de orelhas baixas, lombos calcados e abarrotados de porcos abatidos e de outros produtos, enfileiravam-se na calçada de sua residência. Miguel entrava solenemente na cidade, tal como um imperador romano retornando à Roma, após grande vitória nas batalhas travadas. Baixadas as cargas e afrouxadas as cilhas, dona Ana mãe de Miguel corria à vizinhança às pressas, convocando suas ajudantes para adjutorarem no descarne, no tempero, na fritura e na feitura da linguiça. Diga-se de passagem, a melhor de Correntina e da região.



Enquanto dona Ambrosina, sua esposa, gerenciava as mulheres, aos brados Miguel acelerava o trabalho dos homens. O fogo comia e a fervura subia, juntamente com o cheiro dos torresmos. E os homens ali, com um olho no tacho e o outro nas brasas, de vez em quando atiçando o fogo. As mulheres, por sua vez, iam escolhendo, desenrolando e enchendo as tripas com carne temperada à base de sal, pimenta, cuminho e outros ingredientes, segundo o segredo da receita da casa. Novamente o cheiro exalava pela casa inteira, transbordando para a rua. O trabalho avançava noite a dentro, isto porque Miguel tinha pressa. Se demorasse, a carne corria o risco de estragar. Ao fim da jornada, todos satisfeitos: as mulheres, os homens, os tropeiros, o patrão e até os burros descansando no pasto. No dia seguinte, a mercadoria fresquinha abastecia as prateleiras do comércio, na própria venda de Miguel, no mercado municipal da cidade e até no comércio de outro estado, embarcada num caminhão e ganhando o mundo. Era feito assim, principalmente com as latas de banha de porco, exportadas para o Estado de Goiás em cima de um “pau-de-arara.”



Sem dúvidas, Miguel de Seu Né faz parte da safra dos grandes homens de Correntina, uma obra que a natureza fez e escondeu a forma. Forjado e temperado na dura lida, testado nos desafios da vida e vencedor das batalhadas travadas em busca do pão de cada dia. Da veia empreendedora correntinense, sobressai o grande e magistral Miguel Coimbra, hábil, inigualável viajante, negociador de sonhos e mercadorias, numa época em que nem rodovias haviam de acesso à Correntina.





Foi assim que Miguel de seu Né inventou seu próprio modo de se locomover e transportar mercadorias, tão necessárias ao consumo da cidade. Para tal, adquiriu uma tropa de burros, com os quais percorria o município e os vizinhos, vendendo e comprando mercadorias. Para isso contratou empregados, dentre eles seu Guilé, Domingo tropeiro, Tõe tropeiro, Domingo de Sú e outros. Constituiu capital e saiu mundo afora fazendo contas de somar e multiplicar, jamais de diminuir. Miguel fez fama, abasteceu o mercado local, exportou para o Goiás e gerou empregos na cidade. Sua casa era movimentada, quer pela clientela de secos e molhados, quer pela liderança, simpatia e capacidade de construir e cativar amizades.


Outro dado relevante é que o filho de seu Né confeccionava os próprios produtos, transformando toucinho em banhas líquidas, além de manter uma ceva de suínos em seu próprio quintal, na cidade. Por tudo isso, sua casa era intensamente frequentada, e quando o espaço interno era insuficiente, ele recebia os amigos nos bancos da Praça de Vivi, para celebrar as vitorias, relatar as viagens e aventuras, escutar piadas e anedotas das antigas, com o fito de desopilar o fígado.


Por fim, Miguel de Seu Né se revelou um homem intenso, ligado no 220. Para ele, tudo era no superlativo. Assim no trabalho, na vida, nas relações familiares e com os amigos, conforme a fé que professa. O homem da fartura, abundante em tudo, rígido na educação e o tom de voz acima dos decibéis permitidos, ele fazia os meninos tremerem na base. Porém, jamais foi violento, derramando-se de amor e afeição pela família.