Publicado em 10/9/2025, às 17h20.

Uma década de memórias e amor a pátria.
Por Joselita Neves de Moura – professora da rede pública de educação de Correntina.

Foto: Desfile cívico.

Quero fazer minhas as palavras da Professora Edna Castro de Oliveira ao ser desafiada a prefaciar o livro de Paulo Freire Pedagogia da Autonomia, quando disse: “Aceitei o desafio de escrever esse prefácio movida por uma das exigências da ação educativo-crítica por ele (Freire) defendida: a de testemunhar a minha disponibilidade à vida e ao seu chamamento”. É envolvida pelo olhar profundo e amoroso deste mestre da educação brasileira, Paulo Freire, que sempre norteou minha vida, que venho chamar a todos nós para um momento de reflexão.

Não uso este meio de comunicação para dar respostas, ofender ou defender quem quer que seja, mas acredito ser necessário chamar a atenção de todos nós para algumas considerações.

Questionei, nesses dias, uma manchete do Jornal de Correntina, publicada em 6 de setembro, que destacava: “Quase uma década sem realizar desfile cívico de 7 de Setembro neste município.”

Primeiro, é preciso refletir sobre a representatividade do dia 7 de Setembro. O que essa data representa, de fato, na história do nosso país? Principalmente para nós, baianos, residentes na terra por onde entraram os invasores e de onde, pela força e pela coragem de mulheres negras, foram expulsos, consolidando-se assim a verdadeira independência dessa terra. Pátria soberana e legítima, conforme preconiza a Carta Magna do nosso país.

Foto: Desfile Cívico

É importante compreender que cada governo executa e protagoniza, em suas ações pedagógicas, a visão de homem e de sociedade em que acredita. E, no processo de apagamento da história e das memórias que nossa pátria vem sofrendo — processo esse que se manifesta de forma explícita nas menores células, que são os municípios e as unidades escolares — precisamos resistir e combater tal apagamento. Como já dizia o escritor: “Um povo sem memória é um povo sem história.”

Como testemunha viva desse processo, ouso dizer e trazer ao conhecimento de todos que existe um pulsar pensante nessa terra, um pensar educativo: educadores, gestores de educação, representantes da sociedade civil nos conselhos reúnem-se com frequência para refletir e dar rumos à educação, reconstruindo saberes e enfrentando, cada um a seu tempo, os desafios impostos pelo sistema.

Foi nesse processo histórico de construção coletiva de saberes que, no ano de 2015, ao elaborarmos de forma conjunta o Plano Municipal de Educação de Correntina (PME), todos os educadores foram convocados pela gestão da época para uma formação no salão do CTL. Nesse encontro, compreendemos a importância de dar mais ênfase ao Dois de Julho — que representa o verdadeiro Sete de Setembro — e que essa temática deveria ser perpassada igualmente nas demais datas cívicas, entendendo que civismo e patriotismo devem ser um exercício diário.

Foto: Divulgação.

A partir dessas reflexões, em 2016 presenciamos um dos maiores e mais belos desfiles cívicos da nossa história, protagonizado pelas escolas , que trouxeram para as ruas a história da Bahia e do Dois de Julho. Houve apresentações no espaço que hoje abriga o Colégio Estadual de Tempo Integral de Correntina (CETIC), registradas em nossa memória afetiva.

Foto: Desfile cívico.

Em 2017, ao aceitarmos o desafio de gerir a educação do município, procuramos dar continuidade a essa visão educativa. O desfile teve como temática “Bahia, Terra-Mãe da nossa Pátria” e, no ano seguinte, “O Brasil começa na Bahia”. Com esse fio condutor, abriu-se um leque de reflexões para as comemorações da Semana da Pátria, levando o desfile também para os povoados e oportunizando a participação dos moradores nesses eventos.

Foto: Desfile cívico.
Foto: Divulgação.
Foto: Divulgação.

Nesse período, o Instituto Padre André já participava das reflexões e decidiu-se que o desfile passaria a ocorrer na abertura da Semana da Pátria, em 1º de setembro, em homenagem a Padre André, cidadão de nossa pátria. Assim foi feito até 2023, ano em que ocorreu uma mostra cultural.

Foto: Desfile cívico em 2019.
Foto: Desfile cívico.
Foto: Desfile cívico.

Naquele período, comemorava-se a Semana da Pátria com desfile no dia 1º e com hasteamento da bandeira em cada órgão público, acompanhado de pequenos desfiles realizados pelas escolas até os respectivos locais, com apresentações. A Fanfarra Monsenhor André e a fanfarra da Escola de São Manoel abrilhantaram esses eventos em diversos povoados — Caruaru, Silvânia, Distrito de Vila do Rosário, Aparecida do Oeste , Distrito de São Manoel, Praia, Catolés, Santo Antônio, dentre outros .

Nas tardes de 7 de setembro acompanhei, com muitas outras pessoas, o desfile pelas ruas do maior povoado do município, o Distrito de São Manoel . Em 2022, tive a alegria de ver os alunos da Educação de Jovens e Adultos representarem, nas ruas, as personalidades políticas daquele povoado.

Foto: Desfile Cívico no Distrito de São Manoel em 2023.
Foto: Desfile Cívico na Comunidade de Santo Antonio em 2022.
Foto: Desfile Cívico na Comunidade de Santo Antonio em 2022.

Aqui abro um parêntese com algumas perguntas:
• Um desfile só é cívico e tem validade oficial se for realizado na sede do município?
• As unidades escolares do campo não são parte integrante da Secretaria de Educação?
• Elas não representam o governo?
• Durante essa década não aconteceram desfiles de 7 de Setembro? São Manoel e os outros povoados não são Correntina?
• Os desfiles que reverenciaram nosso querido Padre André não representaram a pátria?
• Os estudantes dos povoados, que protagonizaram seus desfiles e apresentações, não homenagearam a sua pátria?

Recorro mais uma vez a Paulo Freire para lembrar que a educação é ideológica; é um canal de transmissão da visão de mundo de quem está no poder ou de quem gere a educação.

Faço ainda um adendo sobre a reportagem em questão: questiono a manchete, não o texto. Concordo plenamente com o autor quando afirma que, “quando a temática do civismo é abordada de forma ética, não corre o risco de cair no campo ideológico.” Concordo também com a coordenadora do Colégio Marista, Josiane Miara, que disse: “Vemos a data ano a ano recorrentemente reduzida a um desfile bélico, e cabe às escolas problematizar o referencial histórico do país e ensinar por meio dele.”

De fato, essa deve ser a perspectiva para diversas datas comemorativas, já que muitas vezes as escolas reforçam estigmas, estereótipos e preconceitos. O patriotismo e o civismo devem ser o fio condutor de toda ação pedagógica; contudo, sabemos que a educação é ideológica e sempre repassará, por meio de suas práticas, a visão de quem educa.

Prezados leitores deste respeitado jornal, deixo aqui minhas ponderações e minhas desculpas caso tenha ofendido alguém nesse processo de memória. Sou professora em final de carreira , mas sigo com meu protagonismo, meu pensar filosófico e ideológico, dando continuidade ao sonho de ver, através da educação, a formação de cidadãos.

Acredito em um Brasil soberano, pátria de todos os brasileiros. Um Brasil que começa e termina em cada célula municipal, em cada casa, em cada sala de aula, em cada coração onde pulsa o amor a essa pátria chamada Brasil.

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