Publicado em 13/08/2021 às 23h10
Hélverton Baiano
No intramuros dos ermos vigem os tipos, belos tipos, que costumam-se chamar de exóticos e excêntricos, a darem vida e poesia aos lugares. Não há vivente reparador de pessoas que não tenha se deparado com um e outro, aqui e acolá, que fazem a alegria mais simples e contagiante, vezes com uma pequena loucura, outras com uma doce e inerente verve farrista ou um modo de operar a vida que se destaca e agrada.
Apresentaram assim o Paulo Gasoseiro, vendedor assíduo na feira da cidadezinha de Correntina, na década de 1970, de uma gororoba de garapa com bicarbonato que dava o efeito do refrigerante com gás de hoje em dia. Todo sábado, Paulo Gasoseiro, como ficou conhecido, saía do seu rincão lá nas brenhas da roça e se enveredava para cidade, trazendo nas costas dum burrico dois barris de garapa que transformaria em gasosa para deleite da meninada. A farra sabática da garotada era comprar a gasosa de Paulo. Juntava os níqueis de Réis e depois Cruzeiros para o apetite gasoso dos bofes.
A gasosa de Paulo encantava a meninada não apenas pelo deleite do paladar, mas mais pelo tratamento das loas e delongas que o Gasoseiro botava pra cima do comprador, chamando a todos os meninos e meninas pelos nomes, cantarolando chacotas, mexendo com um e outro e também protagonizando lereias as mais cabidas e as menos descabidas, para vender seu refrigerante da roça.
Quem se botava para comprar um copo de gasosa não saía ileso, alguma brincadeira ele aprontava e tudo ia na conta do agrado. Meninos sem eira e nem beira, que não tinham com o quê, ou mesmo fregueses com cara e jeito de dasafortunados, sem grana, quase sempre ganhavam de presente um copinho de gasosa. Assim, ele formava uma freguesia fiel. E nem precisava, pois só ele fabricava e vendia gasosa ali. Como não existia ainda os copos descartáveis de agora, ele servia em copos de vidro, quase sempre uma gasosa lavava a outra, ainda mais quando ajuntava gente, muita gente querendo, e não dava tempo de enxaguar o copo com a água da moringa que trazia em seus apetrechos comerciais.
Parecia até que ninguém da feira passava sem dar uma prosa qualquer com Paulo Gasoseiro, um tchau desengonçado, um cumprimento esculhambado, um adeus estiolado, um impropério apropriado, delongas e milongas as mais breves e as mais longas. Paulo chegava cedinho, de madrugada ainda, puxando seu burrico, junto com os rangidos dos carros-de-bois, que mansamente acordavam a cidadezinha e levavam mantimentos frescos e saudáveis, além das frutas da época, colhidos de véspera, para o comércio.
Iam para a feira nessa toada também os doidos varridos e conhecidos, muitos dos quais se instalavam perambulantes por ali, vivendo à custa dos bons corações. Paulo Gasoseiro era um desses protetores de doidos, que se achegavam loucos por um copo de gasosa. Um poeta dali patenteou a latomia de cumprimentá-lo sempre pilheriando que a gasosa dele era uma coisa de louco. E ele respondia: “É de louco, mas só um pouco”. Eita farra! Essas bestagens encantavam a feira e o povo ali era todo encantado, para quem achava.
Que artigo sensacional.
Viajei no tempo.
Parabéns ao colunista.
Um primor.
Que história legal. Lembro de Paulo Gasoseiro com a sua simplicidade vendendo sua gasosa no mercado. Tempo bom. Parabéns pela história!