Publicado em 19/05/2025 às 22h25.

O JC teve acesso ao discurso de posse do Acadêmico correntinense Hélverton Baiano que foi empossado na Academia Goiana no último dia 8 de maio. Acompanhe abaixo o belíssimo discurso do poeta e escritor Hélverton Baiano.

“Discurso de posse de nosso conterrâneo Hélverton Baiano na Cadeira 13 da Academia Goiana de Letras

Saúdo o presidente da Academia Goiana de Letras, o poeta Aidenor Aires, e em seu nome o coletivo da mesa. Quebro um pouco o protocolo para cumprimentar três pessoas: minha irmã Marilene Neves da Silva, meu colega jornalista Antonio Neto, que veio de Correntina, e meu colega de infância Padre Antonio Rocha. Cumprimento todas as pessoas presentes.

Um capiau sojiga esse mundaréu de trenheira, derna que arregalou os botecos dos olhos na manhã de 15 de março de 1960, lá nos ermos sertânicos de Correntina, Bahia, vizinhança de Goiás, divisando encontrar lugar, que certamente haveria para ele doravante, que lugar no mundo tem pra toda gente. Esse mundaréu é um trem cheio de coisa e lugar.  Aprumou num lugar pequeno, onde todo mundo era conhecido, senão parente. Aderente, certamente. Aviou as matulas do saber pongando na sapiência e no trabalho do Padre André Frans Bérènos, que foi do Suriname para aquele oco de mundo, correr seu trecho e apetrechar os outros. Unszanzotros se ajudavam, acudindo cada qual nos seus quinhões e adjutorando com afazer, com semquifazer e sonhos.

Era uma vida besta drummondiana de luta muita, coisas poucas, convivência harmoniosa, camaradagem e força de vontade. Ele aprumava no ABC, livreto do qual começou a comer as letras, para fugir da lição, mal sabendo que começava ali a se alimentar de letras e o letramento veio doído até ganhar tino ou tomar juízo como dizia sua avó Iaiá França, a índia Caiapó, esguia, cabelos longos alisados com sebo de vaca, mainha de seu painho. Viúva do avô Alvino Crisóstomo, aos 30 anos de idade caçou jeito de criar sete bruguelos deixados a esmo. Era a saga da avó paterna, que sempre o abençoava pedindo para criar juízo. Com a avó materna não foi diferente. Uma jararaca a deixou viúva com nove bacuris, oito meninas e um menino, para dar de comer e rumo na vida. Nenhuma das meninas virou puta, como vaticinavam os fuxiqueiros e fofoqueiros de plantão. Histórias de sofrimento e lutas que fortaleceram esses sertanejos e pejaram essas oito meninas e essa mãe, com muita luta, denodo e determinação.

Esse povo vivia da mão pra boca, e esmorecimento não era parte de seu itinerário. O fardo era pesado, o fado, incerto. Esse menino daquela origem safou-se, vingou driblando as ingrisias de doenças brabas que assolavam o interior e mandava pro beleléu grande ruma de meninos nascidos no Brasil naquela época. Seu primeiro irmão, Paulo da Cruz, não escapou, mas a irmandade composta por Marilene, Cacilda e Helvécio Júnior maculou a estatística negativa. Caçando jeito, ele ia rompendo, perdendo precatas, vestindo calções de chitas e camisas feitas pela mainha Zenilda Neves da Silva, exímia costureira do lugar, que depois virou professora. O painho, Helvécio Crisóstomo da Silva, não enjeitava serviço e até como candango foi adjutorar na construção de Brasília.

O nome do menino teve a ver com Brasília, a capital federal que nasceu junto com ele. Nascido perto da data comemorativa de São José, seu nome seria José Valnir, mas o fogo simbólico saído da primeira capital, Salvador, deveria chegar a Brasília em abril, passando por Correntina. Uma caravana da cidade, da qual seu painho fez parte, foi levar o fogo simbólico até a cidade goiana de Posse, terra natal do seu primo, saudoso acadêmico daqui, Emílio Vieira das Neves, que sunga na cacunda o mesmo sobrenome do seu avô materno João, que sucumbiu ante a jararaca. Nessa cidade goiana, Seo Vecinho, como era apelidado o seu pai, ficou amigo de um doutor Heverton. Pronto, aí estava a influência para mudar o nome do recém-nascido.

De volta a Correntina, a mainha concordou, contanto que aumentasse a letra ‘ele’ no nome. Ficou então Hélverton Valnir Ramos Crisóstomo, com o qual foi batizado. Como os pais eram casados só na igreja Católica, esse nome perdurou com o menino até com quase seis anos de idade, mudado quando os pais se casaram no Civil e o cartório exigia que o sobrenome fosse Neves da Silva. As palavras, os nomes, os substantivos já malinavam com a vida desse um, capiau das beiras do rio Correntina.

Cresceu garrando coisas de ler, revistas em quadrinhos, fotonovelas, almanaques, livretos de faroeste e alguns romances e livros de poesia que lhe caíam às mãos. Nasceu com esse tino, como lá diziam. Começava meio torto de origem, onde poucos ali se metiam a essas bestagens. Nas deambulações sobre o futuro, falou a Móca, um coleguinha de infância, que queria ser poeta, fazer livros. Era, caro Drummond, um gauche na vida, uma vida besta de verdade. Era um perdido e um sem futuro para muitos, nos recônditos dos guardados de si para si. Adjutorava caminhar, percorrer os trieiros que o encantavam.

A vida dali daquele lugar ganhava um menino meio aluado, que via a lua crescente como se ela tivesse perdido um pedaço, que via o painho tirar leite no curral e dizia para sua mainha que o leite saía pelo pipiu da vaca. Um bebéu quase nos cueiros, que sabia de nada, um tudo, achando que tinha descoberto um mundo. Era um mundaréu seu, criado acochambrando desimportâncias, que eram o que a ele importavam. Um Manoel de Barros se apossava dele, sem que ele nem imaginasse o que era poesia. Achava beleza nas infimidades e que aquilo das desimportâncias era o resumo e o rijume do mundo. Apurava as coisas de suntuosidades mínimas com seus carretéis de alinhavo em bestagens.

em>Vadiou muito por essa meninice, achando que o mundo era essa coisa fantasiosa, um fuzuê que malinava na liberdade do semquifazer e de não ter preocupação nem de dar água a um garnizé.  Nem sabia que isso também engambelava a gente e estiolava os quengos dos mais crescidos nas responsabilidades. No entanto, a vida caça livuzias e foi encontrando suas responsabilidades, sem deixar de encetar sonhos. Passou a imaginar futuros, enquanto aprendia o bê-a-bá da escola e da vida. Começava a degustar as certezas, também as preocupações e, assim, aos nove anos de idade, mesmo com seus afazeres de casa, como capinar quintal, molhar plantas, fazer favor para a mainha e outros que tais,  já engraxava sapatos na feira, vendia picolés na rua, trabalhava aqui e acolá ganhando seus caraminguás, os de vadiar aos domingos e de se amostrar pras meninas.

Viveu assim até apontar no horizonte o tempo em que acabou o estudo naquele ermo e o jeito era caçar jeito em lugar de estudo mais avançado, que pudesse dar tino melhor aos anseios de quem se retira do seu canto pra dar jeito na vida. Era o ano de 1975 e Goiânia o recebeu com cara de alegre, aquele labuê de cidade grande, que ele definiu assim em parte de um poema que escreveria alguns anos depois:

Conheci Goiânia pelas entranhas
Me pareceu estranha
Quando a penetrei, transei
Transei essa cidade
Feito quem
Como um santo
Peca contra a castidade.

Começava assim a saga de se acostumar com um mundo maior e diferente: com televisão, telefone, cinemas e muito carro nas ruas, novidades fora do seu costume, coisas encantantes do seu incipiente conhecimento lá nos cantos sertanejos apartados do mundo. E os prédios altos desafiavam os céus, e a visão do recém-chegante era de encantamento, susto e apreensão, sentimentos que cresceram quando teve de tomar um elevador pela primeira vez. Não era tarefa fácil para quem viveu de escada, ladeira e precata. Esse era um mundo outro, que encantava e desafiava, mas que não o fazia se descuidar da leitura, aquilo que o diferençou a vida toda e em toda vida. O alvissareiro vermezinho do sonho de ser poeta e escritor continuou alimentando suas vontades, assimilando que quem nasce pra isso vai morrer disso e com muito viço.

Com viço, pelejou em gráfica, na Gráfica Salesiana, traquejou como porteiro do Colégio Santo Agostinho e fez serviços outros informais aqui, ali e acolá, tateando e conhecendo o terreno. Ainda como estudante de jornalismo, começou a trabalhar em jornais: Diário da Manhã, Folha de Goyaz, Top News, Cooperativa dos Jornalistas, Correio Braziliense, O Popular e depois no CERNE, Agecom e ABC, órgãos do governo de Goiás, onde ainda trabalha, que lhe proporcionaram assessorar vários governadores.

Conhecer Goiânia era um intento, e aos poucos, andando praqui e pracolá, de ônibus e a pé, foi tracejando a cidade com vontade. Observador, logo se virava, e Goiânia passou a ser sua casa, o lugar para onde queria voltar sempre e estar convivendo. Correu trecho e apurou amigos, os conterrâneos que aqui já moravam e os colegas do Colu e do Carlos Chagas, onde estudou. E a família Sales, do professor Altair Sales Barbosa, também lhe deu guarida, sendo adotado por ela. No Carlos Chagas foi aluno, entre outros, dos professores Álvaro Catelan, Pita, Leôncio, Debrey e Ademir Hamú, este que hoje ocupa, com méritos, uma cadeira nesta casa de Colemar Natal e Silva.

De primeira, passou em dois vestibulares, para Jornalismo, na Universidade Federal de Goiás (UFG), e para Direito, na Universidade Católica de Goiás (UCG). Fez dois anos de Direito e abandonou o curso, pela falta de tempo e de dinheiro para enfrentar essa jornada. A partir de então, já se dedicava ao jornalismo, trabalhando em revisão, mesmo sem concluir o curso. Era início do ano de 1980. Daí para a redação não demorou e, quando terminou a graduação, já trabalhava, tendo como colegas os agora confrades Luiz de Aquino Alves Neto e Antônio José de Moura. Como revisor, por suas mãos passavam textos de Carmo Bernardes, Bernardo Élis, Carlos Drummond de Andrade, José J. Veiga, Rubem Braga, Batista Custódio, Antônio Carlos de Moura Ferreira, Wilmar Alves, Hélio Rocha, Carlos Alberto Sáfadi, Aloísio Biondi, Washington Novaes e uma ruma de gente boa, cujos escritos eram aulas gratuitas para qualquer revisor. Já era um Goiaba, como diz seu sobrinho Carmênio, resultado dessa mistura de Goiás, sua terra de destino, com a Bahia, sua terra natal.

Nesse entremeio, em setembro de 1980, tirava o primeiro lugar no primeiro concurso literário que participou, o prestigioso Gremi, da cidade de Inhumas, com um conto onde já delineava um pouco da linguagem que marcaria sua construção em prosa. Esse conto integrou depois o seu livro “Algemas de Algodão”, premiado na coleção Pali Palã, da Agepel e Instituto Goiano do Livro, em 2002, quando iniciou o troca-troca de livros com o hoje acadêmico e amigo Ademir Luiz da Silva, que lançava, conjuntamente, no Martim Cererê, o seu romance Hirudo Medicinalis, que ele mudou o título para Apologia ao Fim. No início dos anos de 1980, entrou para a União Brasileira de Escritores – Seção de Goiás -, iniciando uma profícua convivência com nomes influentes da literatura feita em Goiás, que ele lia e admirava.

Nesse período, destacam-se as várias viagens que a turma fazia no fusca de Ubirajara Galli, hoje querido confrade, onde a gente ia catar prêmios literários. Numa dessas andanças, o destino foi Iporá, onde manteve os primeiros contatos com Edival Lourenço e Pio Vargas. Depois, viria outro iporaense, Carlos Willian Leite, fazer parte dessa turma, que nas décadas de 1980 e 90 agitou muito a cena literária goianiense e goiana, na geração mimeógrafo e nos inúmeros festivais de poesia falada. Eram jovens com o mesmo ideal literário dos oriundos do GEN – Grupo de Escritores Novos -, com os quais já conviviam. Entre as dezenas de concursos que ganhou, estava um promovido pela Academia Anapolina de Letras, em 1981, quando foi premiado com uma coleção de livros de autores goianos. Já conhecia, de cruzar caminhos por aí, os escritores que para ele viraram referência, Bariani Ortêncio, Carmo Bernardes e Bernardo Élis. Os livros que ganhou no prêmio foram aprofundando esse conhecimento, agora pela obra.

Era um tempo de efervescência em Goiânia e aí se tornaram frequentes os coquetéis de vernissage, lançamentos de livros, concursos de poesia falada, apresentações esporádicas em diversos locais onde a literatura, a arte plástica, o teatro e a música proliferavam. Todo lugar era propício à declamação e seu saudoso e querido parceiro Gilson Cavalcante já dizia com seu poema Amor Tece Dor.

Você me tece, tece, tece
Por ter sido um novelo interminável
Somos esse emaranhando
Sem pontas
E nos encontramos acidentalmente
No meio.
Ai, amor tece dor
Ai, amor tece dor.
Salve Gilson Cavalcante!

 Daí começou também a frequentar os shows dos goianos, nos botecos e praças, encetando amizades que posteriormente proliferaram em parcerias com vários músicos da terra, ele entrando com letras e os músicos com a melodia. Chegou a participar de alguns festivais, inclusive como jurado. Seu primeiro livro saiu em 1983, o “69 Poesias dos Lençóis e da Carne”, em parceria com Gilson Cavalcante, que nos deixou dia 14 de março de 2023, coincidentemente o Dia Nacional da Poesia. No Botteko do hoje confrade Luiz de Aquino, no Setor Oeste, em Goiânia, aconteceu o lançamento. Um livro que foi celebrado pela querida poetisa e saudosa amiga dele Yêda Schmaltz, pela irreverência e ousadia.

No início dessa década de 1980 passava a conviver com os hoje confrades Aidenor Aires, Coelho Vaz, Manuel Bueno de Brito, o querido professor Nequito, o saudoso colega de profissão Hélio Rocha, Delermando Vieira, Kleber Adorno, Nasr Nagib Fayad Chaul, Iúri Rincon Godinho, Miguel Jorge, Gabriel Nascente, Adalberto de Queiroz e confreiras como Maria Helena Chein, Lêda Selma, Maria do Rosário Cassimiro, que assinou seu diploma de jornalista, a professora Moema de Castro e Silva Olival e Domingos Félix de Souza, sendo a ele apresentado pelo Tagore, e que o deixou muito impressionado, pela fragilidade física, na época, e pela lucidez no que falava e ensinava.

E outros, que não são da AGL, como o professor Braz José Coelho, que fazia a gente gostar ainda mais do português, o também professor Luiz Fernando Valadares, Carlos Fernando de Magalhães, Lu Tavares, Marietta Telles Machado, José Sebastião Pinheiro, Celso Cláudio Carneiro, Eduardo Jordão, Dayse Kênia, Leo Pereira, Luiz Fafau, Maria Amélia Trindade, Ivair Lima, Marcelo Heleno, Cássia Fernandes, PX Silveira, Sônia Elizabeth, Tagore Biram, Fernanda Cruz Filha, Dionísio Pereira Machado, Valdivino Braz, Brasigóis Felício, Pio Vargas, Dairan Lima, entre outros.

É importante mencionar também todo o pessoal da música popular goiana, grande parte parceira em várias cantigas, Genésio Tocantins, Juraildes da Cruz, Valter Mustafé, Pádua, Nilton Rabelo, Lucas Faria, Luiz Augusto, Amauri Garcia, Osimar Holanda, Nilo Alves, Du Oliveira, Gilberto Correia, Flávio Dell’Isola, Carlos Brandão, Gustavo Veiga, Maria Eugênia, Reny Cruvinel, Braguinha Barroso, Henrique de Oliveira, Osvaldo Rocha, Zé Miguel Rodrigues, Écio Duarte, Laércio Correntina, amigo de infância, entre muitos outros, e o pessoal do teatro, no qual foi iniciado e chegou a escrever duas peças, uma delas encenada. Aqui, faz menção a Mauri de Castro, confrade agora, Wertemberg Nunes, Tonzé, Carlos Moreira, Ilson Araújo, Antônio Delgado, Nilton Rodrigues, Hugo Zorzetti e Odilon Camargo. E ainda o pessoal das artes plásticas sobre os quais escreveu matérias, entre eles Siron Franco, Dek, Josélio Maranhão, Roos, Sanatan, Yashira, Carlos Sena, DaCruz, Antônio Poteiro e Gomes de Souza. Viveu a obra dessa plêiade da literatura, da música, do teatro, das artes plásticas e absorveu a poesia que deles emanava e emana.

Nesse clima, pintou um clima, conheceu Dinorá de Castro Gomes, com quem se casaria há cerca de 40 anos e, ambos, endoideceram de estarem juntos até hoje. É amor pra mais de metro e muito saco de sal lambido juntos. Dessa união, veio o filhote queridão Virgílio de Castro Neves, cabra bom que o ensina muito e completa essa trupe familiar.

Como se a poesia fosse sua eterna companheira, coube a ele agora ocupar a Cadeira número 13, cujo patrono é o poeta Joaquim Bonifácio Gomes de Siqueira, imortalizado em nossa memória pelo poema ‘Noites Goianas’, que depois, pela verve musical de um homônimo seu, Joaquim Santana, se transformou nessa pérola do seresteiro goiano, considerada praticamente um hino não oficial, que canta o jeito goiano e sua esplêndida natureza.

Cadeira que teve como primeiro ocupante outro poeta José Xavier de Almeida Júnior, tendo ressaltada sua poesia, pelo também poeta e crítico Gilberto Mendonça Teles, como de natureza dinâmica, e destacado pela Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás como Príncipe dos Poetas Goianos.

Quis o destino e as coincidências da vida que o segundo ocupante fosse Francisco de Brito, e o ocupante seguinte, Eurico Barbosa dos Santos, motivo da sucessão atual, tenham sido jornalistas, como também sou de formação, com a vênia agora da primeira pessoa e com o agradecimento à terceira com que eu vinha bordando essas falas. O patrono Joaquim Bonifácio Gomes de Siqueira, os ocupantes anteriores, José Xavier de Almeida Júnior, Francisco de Brito e Eurico Barbosa dos Santos serão sempre guias, exemplos, espelhos e condutores de minha atuação nessa honorabilíssima confraria, que agora tenho a honra de pertencer. Com Eurico Barbosa convivi, especialmente quando era deputado estadual, nas várias coberturas que fiz na Assembleia Legislativa de Goiás e pude apreciar sua exímia oratória. Dele era leitor das várias crônicas que escrevia no Diário da Manhã.

Evidente que sei da minha responsabilidade perante essa valorosa instituição, a Academia Goiana de Letras (AGL), que me escolheu como um de seus pares, para ombrear com pessoas tão dignas e competentes essa história que enaltece a literatura, as artes, os costumes e a cultura de um modo geral do nosso povo. Quero contribuir com meu cadinho literário e minha postura de dignidade para dar continuidade e, se possível, acrescentar a essa história um pouco do pouco que sei, sempre com muita humildade e humanidade, que são qualidades a mim inerentes e que forjam meu caráter desde sempre.

Eu os abraço com ternura, confrades e confreiras da AGL, e a candura me impulsiona à adorável beligerância da literatura, da prosa, com suas nuances de criatividade e adequação de linguagem, e da poesia em busca da excelência estética e dos singulares sentimentos que expressamos nela, para deleite e gáudio da vida que intentamos construir, com seus sonhos e suas cruezas.

Meu mister aqui é o de ser um dos guardiões da nossa língua portuguesa, com as nuances de brasilidade que ela hoje comporta, para que possamos nos fortalecer como povo e como nação, afirmando nossa identidade cultural, para que tenhamos cada vez mais aguçada nossa capacidade de nos defender e de progredir no fortalecimento de nossa autenticidade de povo brasileiro, valorizando as diferenças, absorvendo a diversidade e procurando cada vez mais diminuir as desigualdades sociais. É tarefa de quem pensa o futuro, com tudo de boas perspectivas que ele carrega e se sustentando no sonho de contribuir para a construção de um mundo humanista e civilizado. Além disso, também combater os retrocessos de barbárie que volta e meia nos atazanam.

Nosso ofício é o de também ajudar a sociedade goiana e brasileira no crescimento e na melhoria individual e coletiva, escrevendo, lendo e vendo o pau comendo. Não precisamos viajar muito para termos a melhor definição que eu já li sobre o que fazemos, e vem do poeta e prosador Edival Lourenço, assim resumida: “A Literatura é a manifestação cultural que dá conta de traduzir os sentimentos mais profundos das pessoas, que consegue revelar os traços mais sutis de uma sociedade, de um povo, de uma nação. As sociedades que não tiveram seus poetas e seus prosadores não conseguiram se perpetuar. Ou as que tiveram poetas e prosadores, mas não os valorizaram, jamais conseguiram se inserir no conjunto das civilizações respeitáveis.” Disse tudo e mais um pouco.

Somos nós que dizemos o inefável, colocamos a criatividade a serviço de tornarmos as pessoas melhores, mais humanas, conscientes e sensibilizadas com as mentiras que criamos e propagamos e a realidade de retratamos. Somos gerentes da ingerência e maculamos o que bordamos na criação, na busca de sacudir o mundo para que ele derrame prazer e alegria. A criação é fonte e motivo de prazer. É para a satisfação pessoal que escrevemos, com a intenção de atingir e provocar as pessoas. Por isso nos botamos a escrever e queremos ser lidos.

A leitura é fonte de transformação, não apenas a leitura formal, da língua que aprendemos e aprimoramos na escola, mas também a que é feita pelo analfabeto, quando lê e transforma sua realidade, com sua literatura oral, que sempre foi muito importante no meu modo de ver. Falo também da literatura e da poesia que vêm no desenho, na fotografia, no folclore, no cinema, na pintura, nas artes e artesanatos e numa infinidade de manifestações. É assim que, reitero, dizemos o indizível e construímos as plataformas onde alicerçamos nossas vidas.

O mundo hoje está loucamente esdrúxulo. Um pouco antes dessa loucura toda, os loucos eram poucos e conhecidos. Agora, eles são muitos e, por consequência, desconhecidos. É doido pra tudo quanto é canto, que fica difícil desviar. Quando não fisicamente, eles atacam pelas redes, inúmeras redes, da internet. E, se você for acompanhar para aquilatar a loucura, fica doido também. Esse tempo estiolou-se e junto com a doideira vem também a violência social, a guerra entre os bandidos, a dos policiais contra os marginais, dos bandidos com a sociedade e a que prolifera entre países, em busca de mais poder, mais território, na ganância desmesurada de mandar mais e impor suas vontades.

Vivemos infelizmente um tempo de mentiras, mas não a boa mentira, aquela que alimenta nossa literatura e que ajuda as pessoas na deliberação de seus mundos, de suas fantasias. Mas a má mentira, a que grassa nossa sociedade, aprofunda a desigualdade, ilude as pessoas, rouba as consciências, estimula as revoltas sem propósito, dá golpes a todo momento nos cautos e incautos, acirra a injustiça social, nos atormenta e move nossa sociedade para o campo minado da desfaçatez, do ódio e do egoísmo. Que nossa voz e nossa escrita sirvam de alimento para a mentira da criatividade, na criação de mundos ficcionais que extasiam, e de antídoto no combate desse mundo de infortúnio e miséria, que nos sufoca e angustia.

Como bem disse o poeta Manoel de Barros: “Poesia é a virtude do inútil. Tudo que invento é falso.” E complementava, para ilustrar: “Noventa por cento do que escrevo é invenção. Só dez por cento é mentira.” E também a romancista espanhola Rosa Montero, quando diz: “Escrever é flutuar no vazio.”

Que nós, com a voz da nossa literatura, possamos criar um refrigério nesse mundo de tanta indignidade e iniquidade. Todos aqui da AGL são muito queridos e de todos tenho recebido bons ensinamentos, augurando criatividade e prosperidade. Meu reconhecimento é sincero e o agradecimento que exponho agora, no real e no etéreo, é eterno. Por ser uma confraria, aqui ninguém é só e, portanto, estamos bem acompanhados.

Meu coração, que na poesia é o órgão do sentimento, agradece imensamente os confrades e confreiras que passo a citar: Ademir Luiz e Lêda Selma, Incentivadores de primeira, e também Edival Lourenço, Geraldo Coelho Vaz e Adalberto Queiroz. Depois vieram mais incentivos de Delermando Vieira, José Ubirajara Galli Vieira, Luiz de Aquino Alves Neto E também de Gilberto Mendonça Teles e meu primo Emílio Vieira das Neves, que morreram no final do ano passado.

E a eles foram juntando outros: Kleber Adorno, Aidenor Aires, Nasr Chaul, Ademir Hamú, Maria de Fátima Gonçalves Lima, Getúlio Targino, Mauri de Castro, Maria Helena Chein, Abílio Wolney Aires Neto, Antônio César Caldas Pinheiro, Luiz Augusto Paranhos Sampaio, Antônio José de Moura, Miguel Jorge, Manoel Nequito Bueno de Brito, Adelice da Silveira Barros, Iúri Rincón Godinho, Brasigóis Felício, Augusta Faro Fleury de Melo, Maria Abadia Silva, Itaney Francisco Campos, Maria do Rosário Cassimiro, Francisco Itami Campos, Gabriel Nascente e Martiniano José da Silva, este que nos deixou recentemente.

Menciono aqueles componentes dessa casa, que, por dificuldade de saúde, não consegui ter contato nessa caminhada de agora, como Hélio Moreira, Ney Teles de Paula, Alaor Barbosa dos Santos e Licínio Leal Barbosa, falecido depois da eleição. E também a professora Maria Augusta de Sant’Anna Moraes, que, mesmo claudicando, compareceu à votação, chegando pouco depois de encerrada a votação, mas que foi à UBE-GO me comunicar e abraçar.

em>Sou grato a todas essas pessoas. Presto uma singela homenagem também aos funcionários da casa, que fazem parte desse time que trabalha com ardor pela AGL: Ana Maria do Carmo, Lucas Venceslau e Débora Galvão. Agradeço também o Nélson Santos, o nosso incansável fotógrafo da cultura goiana, e também a uma amiga incentivadora, Tainá Correa, que, juntamente com Carlos Willian, toca a importante revista digital Bula. E ainda os amigos Marcelo Franco, Solemar Oliveira, José Fábio da Silva, Jeferson Barbosa, da Editora Mondru, Larissa Mundim, da Nega Lilu Editora, e Euler Belém, também incentivadores mundo afora da literatura feita em Goiás, Marcelo, nas redes sociais, Euler, com os espaços que abre no Jornal Opção e os demais são talentosos amigos que a literatura me deu. Abraço também a querida Ana Luíza Serra, secretária da UBE-GO.

Alimento a engenhosa e astuta simplicidade matuta, que me molda, para homenagear os poetas Zé Limeira, Fabião das Queimadas, Rodolfo Coelho Cavalcante, José Lucas de Barros, Zé de Sousa, Leandro Gomes de Barros, Paulo Nunes Batista, Antônio Sena Alencar, Louro Branco e Pinto do Monteiro, numa reverência à literatura de Cordel.

Encerro com um pensamento do paraibano Pinto do Monteiro, poeta nomeado como “A cascavel do Repente”, que definiu magistralmente o nosso ofício de criador, de literato e poeta. Ele disse: “Poeta é aquele que tira de onde não tem, pra botar onde não cabe.”

 

Muito obrigado.”

3 COMENTÁRIOS

  1. VENHO EXPRESSAR MEUS SENTIMENTOS DE MUITO ORGULHO EM TER UM CONTERRÂNEO COM TANTA CAPACIDADE E INTELIGÊNCIA. VOCÊ HELVERTON, É SEM DÚVIDA ALGUMA, O PERSONAGEM MAIS IMPORTANTE DE TODOS OS TEMPOS, ENTRE OS CORRENTINENSES. PARABÉNS!

  2. Meu caro Hélverton Baiano,

    Sua posse na Cadeira 13 da Academia Goiana de Letras foi um momento de grande celebração, não apenas para você, mas para todos que acompanharam sua trajetória e aqueles que tem a honra da sua amizade, ainda que um pouco distante. Você trouxe à tona suas raízes, sua infância, sua jornada até chegar onde está hoje, e fez questão de agradecer a todos que contribuíram para seu sucesso.

    Que discurso emocionante e inspirador!

    Seu discurso foi uma verdadeira aula de vida, mostrando como a literatura pode ser uma ferramenta poderosa para transformar a sociedade e inspirar as pessoas. Você falou sobre a importância de valorizar a língua portuguesa, a cultura e a identidade brasileira, e de como a literatura pode ser um antídoto contra a violência, a injustiça e a desigualdade.

    Um momento particularmente tocante foi quando você mencionou o agradecimento especial ao Monsenhor André, mostrando a importância da influência religiosa e espiritual em sua vida e obra. Esse agradecimento destaca a complexidade e a riqueza de suas experiências e relações, e como diferentes aspectos de sua vida se entrelaçam para formar a pessoa que você é hoje.

    Você também homenageou muitos amigos e colegas que fizeram parte de sua jornada, e reconheceu a importância da colaboração e do apoio que recebeu ao longo do caminho. Seu discurso foi um exemplo de gratidão, humildade e generosidade, e certamente será lembrado por muito tempo.

    Parabéns, Hélverton Baiano, por essa conquista! Você é um verdadeiro representante da literatura correntinense, goiana e brasileira, e sua contribuição para a cultura e a sociedade será sentida por gerações futuras.

    Que DEUS conceda-lhe longevidade com saúde e o abençoe sempre!!!

    GETÚLIO REIS

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