Lourão era o conhecimento de Rosevaldo por lá, porque nome simples e apropriado ao dono, um sujeito por demais apreciável e de fácil convivência. Lourão da Caçamba ou Louro de Ana eram outros os nomes com os quais ele se dava a conhecer. Passou das bandas mais difíceis, coisa corriqueira por ali, pois ninguém tinha posses de trem nenhum que tivesse valor, nem mesmo ciência de leitura e escrita, essas patacoadas da civilização.
Era o melhor zagueiro do futebol do lugar, de jogar na seleção e adquirir fama num futebol versado na forma de defensor se aproveitar das sandices do jogo e chamar a bola de égua, dizendo “do jeito que a égua vem, ela volta”. Lourão sabia desarmar e sair jogando, não era beque apenas rebatedor. E falta era com ele mesmo, cobrava todas fazendo chuveirinho com muita água na área e levando perigo ao gol adversário. Mas o mais interessante do jogo eram os comentários do final, as jogadas feitas e as possibilidades outras que podiam sair assim ou assado e resultarem em gol.
Lourão, muito querido de todos, tinha como ganha-pão dirigir caminhão, coisa que fazia com maestria e competência. Dirigia a caçamba da prefeitura, praticamente o único caminhão do lugar, e por isso teve incorporado o nome do veículo ao seu. Chegado o tempo por lá da exigência da carteira de motorista, Lourão esquentou o quengo com as poucas letras. Sabia as placas e os sinais, mas não botava o nome no papel. Depois de algum tempo e aulas do Mobral, arrumou jeito de fazer a habilitação e andou motoristando com todos os termos da lei.
Nunca bateu um carro, sempre guiou direitinho e havia os que ali o elogiavam por isso, pelo cuidado com o carro e seu respeito com o trânsito. Até pra capital ele foi mandado em diligências da prefeitura na busca de merenda escolar. Um campeão no futebol e na simpatia, multiplicando amizades com seu jeitão simpático de lidar com gente. Com seus amigos, a gaiatice que inventava era digna da típica e deliciosa inocência interiorana. Trocavam as sílabas das palavras e falavam rapidamente para confundir as pessoas. Gato virava atogá, cadeira passava a deiracá, botão era tãobô, chinelo se transformara em nelochi, e mesa era esamê.
Lourão era campeão, no futebol, na lealdade dentro de campo, na direção e na gozação simplória dos amigos. Mesmo porque não tinha inimigos. Gente como ele não conseguia inimizade, pois levava tudo na esportiva, como lá se apregoa. Pai de família exemplar, era de pouca cachaça e birita, caminho pelo qual se enveredaram muitos dos seus amigos.
Lá também chegou o asfalto e saindo com o caminhão de uma estrada de terra para chegar na via asfaltada, juntou o mato do lado e um pé mal colocado no freio e a moto que lá vinha, toda pequena e escondida, entrou embaixo do caminhão, matando o condutor e o passageiro.
A família dos mortos sentiu e houve quem ouvisse resmungo de vingança. Lourão perdeu a alegria depois do acidente, se enveredou na cachaça e vivia ensimesmado e cabisbaixo, até o dia em que andando na noite escura e já perto de casa sentiu seu corpo ser perfurado à bala, uma, duas, três, quatro vezes. Ouviu, como último barulho, uma moto se afastando. Assim como sua vida.
Hélverton Baiano é o nome literário de Hélverton Valnir. Filho de Tia Zena e Seo Vecinho, nasceu em Correntina em 1960. Em 1975 foi estudar em Goiânia, onde mora, tornando-se jornalista, escritor e poeta, com alguns livros já publicados, entre eles História de Correntina. É irmão de Júnior Bião, Cacilda e Marilene, e primo dos filhos de Anna e Temisse e de Raimundo Costa e Sinhá.
Belíssima crônica, diria, biográfica, de uma figura que vi jogar várias vezes com lealdade e categoria. Não sabia do fim trágico do beque não rebatedor. Quando à brincadeira de inverter a sílaba das palavras, eu e um primo René Neves de Sá, invertíamos sílabas entre palavras. Exemplo: Biblioteca Campesina virava Bibliosina Campeteca, e assim por diante. RSRSRS. Parabéns, meu amigo.