Publicado em 12/11/2025, às 08h12.

A CACHORRA HELENA.
Era uma lenda? Um mito? Uma assombração, ou simplesmente uma aberração da natureza? Ninguém sabia, precisamente, do que se tratava. Entretanto, o boato tomou conta da região na década de 1970. Fato é que, enquanto o vigário paroquial permanecia silente, multiplicavam-se as orações e as admoestações, advindas do próprio povo.

Na ocasião, as crianças viviam em polvorosa devido à terrível notícia que circulava por Correntina. Falava-se de um fenômeno em contínuo movimento pelas ruas da cidade, no formato corporal de cadela, ostentando longa cabeleira e fisionomia de mulher. Aquele rosto belo e atraente num corpo de cachorra tornava o fenômeno simplesmente horripilante, a ponto de toda a cidade tremer de medo. Os extremos traços daquele ser, superdimensionados pelas fofocas populares, intensificavam o pavor da criançada. Diante disso, as pessoas indagavam sobre a origem de tal aberração e, como respostas, ouviam as mais espalhafatosas e contraditorias alegações.

Havia quem afirmasse, de pé junto, que a moça transformara-se em cachorra por haver desobedecido aos pais numa sexta-feira da paixão. Dizem que seus genitores a teriam amaldiçoado pelo resto da vida, condenando-a a perambular pelas ruas em forma de cachorra. Ora, se isto é verdade ou não, jamais surgiu qualquer evidência comprobatória. Sabe-se, apenas, que tal notícia fixou-se no imaginário daquele povo, por muito tempo.

Em decorrência desse eventual episódio, as crianças não mais saiam às ruas para brincar, principalmente à noite. Meninos e meninas iam para a cama mais cedo. O problema era conseguir dormir, uma vez que a imaginação infantil se encontrava povoada de horrores. Logicamente as crianças viviam assustadas e sobressaltadas, situação propícia à insônia. Aliás, o fenômeno da cachorra Helena era apenas uma das histórias fantasiosas daquela época, pois havia inúmeras outras que desenvolviam nas crianças um medo permanente. Gozado é que a maioria dos personagens eram seres do outro mundo, ou animais dotados do poder de transformações inimagináveis.

Com o passar do tempo, verificou-se que aquelas histórias faziam parte de uma estratégia disciplinar, usada pelas famílias, com o fito de limitar as saídas das crianças às ruas. Faziam isso para salvaguardar a integridade física dos filhos. Mas tudo isto sob elevado risco e probabilidade de desenvolverem traumas e outros transtornos severos. Assim, nenhum menino ou menina se atrevia a desobedecer aos pais, sobretudo às sextas-feiras e, menos ainda, por ocasião da semana santa. Eles não queriam incorrer no risco de se transformarem em alguns bichos zanzando noite adentro por ai.





