Publicado em 19/08/2024 às 18h44

Por Antonio Rocha.

AS LAVADEIRAS DO RIO DAS ÉGUAS!

Era assim no meu sertão, mundo onde eu fui criado. Desde pequeno me acostumara a ver aquelas mulheres de unhas curtas, dedos retorcidos, mãos enrugadas e pele queimada do sol. Elas tinham as mãos enrugadas não de velhice, mas de tanto entrar e sair da água corrente esfregando roupas. Os calos estavam ali, a olhos vistos, expostos em toda a extensão das palmas das mãos. Os seus cabelos eram amassados, como que se neles acomodassem pesadas malas ou trouxas de roupas, equilibradas no coque da cabeça.

Foto: Grupo Relíquias de Correntina/Facebook.

Até aqui, apenas um retrato; um três por quatro, uma imagem fiel das marcas que a vida impõe a certas pessoas. Estou a falar das lavadeiras do Rio das éguas… Mulheres que conjugavam dor e canto; a vida e poesia; o sonho e decepção… Naquela jornada muitas morriam de “espinhela” caída, “espinhaço” quebrado, ou de “estoporo”, como se diz no coloquial do meu sertão, porque no seu mundo civilizado meu caro leitor, a palavra recomendada é o tal de “choque térmico…” É que aquelas pobres senhoras alternavam-se entre o quente e o frio submetendo os seus humanos corpos a duras e oscilantes temperaturas no seu dia a dia.

Foto: Grupo Relíquias de Correntina/Facebook.

Dessa forma, quando o vento soprava, rodopiando em espiral de redemoinhos, as mulheres tremiam e temiam! Era como se lhes tirasse a esperança estendida no chão.  Tão surpreendente, que não dava tempo nem de catar as roupas no quarador. Na sua passagem, as peças voavam como papel solto no ar, indo parar só deus sabe onde…

Foto: Grupo Relíquias de Correntina/Facebook.

Vencida a saga, depois de secadas as peças ao sol inclemente do dia, à noite, o ferro à brasa comia deslizando sobre os finos linhos importados, ou por cima dos pesados ternos de casimira, deixando tudo irretocável para o banquete dos bacanas. Difícil era alisar, ou, como se dizia lá no meu interior, passar a ferro, os vestidos das matriarcas com seus complicados desenhos e rebuscados bordados, além do alto nível de exigência dessas damas do lugar.

Foto: Grupo Relíquias de Correntina/Facebook.

Não seria absurda a constatação, de que, as primeiras máquinas inventadas para lavar roupas, foram mesmo as mãos negras e pobres das herdeiras da senzala. E isso durou muito tempo, e, quem sabe, até os nossos dias  em algum lugar do mundo. Desse modo, para suportar a friagem nos pés e o sol quente nas costas, as lavadeiras tiravam versos, recitavam poemas e entoavam cantos ritmados pelas batidas das roupas, nas pedras  do Remansão de Bazu. Enquanto umas puxavam um verso; outras respondiam ao desafio com estrofes rimadas. E assim o dia ia passando, a roupa ia quarando e secando sobre a grama, até a hora de pra casa voltar. São testemunhas as águas daquele rio…

Foto: Grupo Relíquias de Correntina/Facebook.

Ao cair da noite, quando o padre ia rezar a missa na matriz, podia se vê como as estrelas no céu, mulheres descendo a ladeira com as suas trouxas na cabeça, todas cheias de roupas secas e alvejadas. Umas iam pra o hotel, outras para o coronel e as demais para as casas de meia dúzia dos homens de posse. Fortes, que não temiam o sol e nem as águas frias; nem o peso das malas, nem o fim do dia. Contudo, temiam o vento; o redemoinho, porque estes eram o pavor das lavadeiras que roubavam o seu sustento. Em razão disso, aprendiam a rezar cruzando os dedos, uma Ave-Maria, só para aplacar a ventania. Descobrir, por fim, que uma lavadeira tem sempre um olho na tábua; e outro no quarador!  ARS

 

 

 

 

 

 

 

3 COMENTÁRIOS

  1. Grande amigo Antônio Rocha, você é um homem de uma índole invejável meu amigo, parabéns pela suas lindas mensagens no JC, você é incrível meu amigo… abraço!

  2. Ulalá! Lembrei-me da minha infância lá no meu sertão. Eu era uma criança , mas já tinha uma obrigação que era acompanhar as ladeiras e as quebradeira de coco, com as músicas que eu aprendia, nos cancioneiro que minha mãe é meu pai tinham em casa. E até hoje tenho saudades dessa época, pois me sentia muito importante quando chegava alguém para pedir a minha mãe, para deixar eu passar o dia lá no riacho. E o meu prêmio era rapadura com farinha e até uns bolos fritos. ………

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