Publicado em 24/10/2025, às 10h10.

CHICHICO BEZERRA, O “MONTEIRO LOBATO DE CORRENTINA.”

Inicio o presente artigo invocando aplausos a um dos mais distintos personagens de Correntina. Como cronista e contador de história, costumava atrair crianças e adolescentes para ouvir suas impressionantes narrativas, contadas na elevada calçada da própria casa, situada à rua Álvaro de Farias. Refiro-me ao genial e criativo Francisco de Oliveira Bezerra. A despeito do enorme desafio de sustentar a própria família, devido à extensão de sua prole, Bezerra estava sempre bem humorado.
Filho de Benedito Bezerra e Maria Bezerra, Francisco nasceu no município de Correntina e em toda a cidade era conhecido por Chichico Bezerra. Um ser humano extraordinariamente do bem, privilegiado com uma inteligência incomum e um raciocínio invejavelmente rápido. Como cronista de fértil imaginação, teve a expertise de criar a histórias, sagas e lendas, entre as quais a de uma cobra gigante que vivia na selva amazônica, assombrando a população. Esta ele a denominou de “Jaguararatubucuçu.” Serpente valente e perigosa que fazia precipitar poeira e lama por onde passava. Com essa e outras, Chichico ia encantando a moçada de sua época que, movida pela curiosidade, perplexa o ouvia. É que, no universo mental de Chichico o céu, as águas e as matas estavam povoados de seres misteriosos e inomináveis, que chamavam a atenção dos humanos.
Por ocasião de sua despedida, a última viagem de avião a Brasília, o nosso personagem foi capaz de brincar com o próprio destino. Agarrou-se ao seu guarda-chuva e disse que, se os motores do avião falhassem, usaria aquele utensílio como pára-queda. Sobre qualquer coisa o nosso Patriarca fazia anedotas e piadas. Contava histórias das revoluções no país e na região, narrava sagas de resistência contra os revoltosos que queriam invadir Correntina, dos quais nomeava-se como testemunha. Nas janelas e portas da própria residência poder-se-ia atestar, tempos atrás, as marcas de balas de carabinas e bacamartes que se alojaram na madeira.

Não por acaso Maria Alice Bezerra, sua filha, o apelidou de “Monteiro Lobato de Correntina”. Incontestavelmente, Chichico era dotado de múltiplas habilidades, inclusive na área da matemática. Funcionário público atuando na tesouraria da prefeitura, com zelo e competência cuidava das finanças municipais. Bezerra desempenhava, também, a atividade de artesão, com especialidade em couros e peles de animais. Perfeccionista e metódico, sabia, como estilista de alta costura, confeccionar celas, bruacas, chapéus, sandálias, gibão, perneiras, alforges, etc. Dominava o rito e a técnica do preparo das peles, nos curtumes de sua propriedade à beira do rio Correntina, na região do Morro do Estreito e abaixo da Bomba de Abastecimento de Água da Cidade. Bezerra foi um poeta, contista, fogueteiro, tintureiro e membro integrante da Filarmônica de Correntina. A propósito, era Chichico quem fabricava fogos de artifícios, traques e busca-pés para a meninada brincar nas ruas da cidade. Na Banda de Música tocava bombo, prato e outros instrumentos. Sabia ler partituras musicais, dominava o manuseio dos violões clássico e popular.
Além de compor e cantar magistralmente, Chichico realizava acordes inimagináveis, com perfeitas harmonizações e belíssimos solos de violão. Detentor de tantas habilidades, Bezerra foi capaz de realizar inesquecíveis serenatas, nas noites enluaradas de Correntina. Vale lembrar que esse ilustre correntinense era leitor inveterado das grandes revistas de época, como: Revistas do Cruzeiro, Revista Manchete, Revista Seleções e outras tantas. Bem informado, distintamente percebia a conjuntura local, nacional e mundial. Assim, Chichico foi adquirindo notoriedade na cidade, retransmitindo, em primeira mão, as informações que circulavam nos grandes centros, nacionais e internacionais.

Pelo seu autoconhecimento e autoconsciência, Chichico foi capaz de prever o próprio fim. Após ter confidenciado a um jovem amigo conterrâneo, Bezerra, ladeado pela família em Brasília, fixando os olhos no Crucifixo, previu que dali a dois dias partiria para a viagem eterna. Assim falou, assim se cumpriu. Sereno e tranqüilo, voou para o céu no dia 10 de fevereiro de 1987, aos 87 anos de idade. Enquanto estamos por aqui, vamos guardando lembranças e recordações de seus feitos, recitando os seus versos de cada dia. Grande Chichico!!!






O saudoso Coronel Chichico Bezerra!!!
O talentoso e expert Antonio Rocha desta vez nos fala de “Chichico Bezerra, o ‘Monteiro Lobato de Correntina’” é uma homenagem emocionada e reverente à figura de Francisco de Oliveira Bezerra, um homem multifacetado que marcou a memória cultural e afetiva da cidade de Correntina. A sua narrativa tem um tom nostálgico e celebrativo, enaltecendo o talento, a criatividade e o espírito alegre de um personagem que, apesar das dificuldades da vida, irradiava bom humor, inteligência e generosidade e eu tive a felicidade e a honra de conhece-lo e fazer parte da sua amizade e dos seus gracejos, sempre o tratando como Coronel Chichico. O mestre ANTONIO emoldura a imagem de Chichico Bezerra como um símbolo da cultura popular interiorana, alguém que, por meio da oralidade, mantinha viva a tradição das histórias e lendas locais.
Quando a sua filha, a Professora Maria Alice o compara a Monteiro Lobato, reconhece nele não apenas um contador de histórias, mas um verdadeiro criador de universos imaginários, povoados por seres fantásticos como a cobra “Jaguararatubucuçu”. Essa comparação reforça a ideia de que Chichico foi um intelectual intuitivo, um artista do povo que, sem precisar de fama, muito estudo ou grandes recursos, deixou uma herança cultural profunda.
A veia literária do mestre ANTONIO ROCHA destaca o caráter polivalente do homenageado: funcionário público zeloso, artesão habilidoso, músico, poeta e inventor. Essa multiplicidade de talentos retrata um homem em plena sintonia com o espírito criativo do sertanejo, capaz de transformar a simplicidade do cotidiano em arte, humor e sabedoria. Até mesmo ao relatar a serenidade com que Chichico enfrentou a morte, reforça sua dimensão mítica e quase profética, encerrando a crônica com um tom de respeito e admiração. A forma como narra o episódio — com ternura e reverência — confere à despedida um sentido poético e simbólico: Chichico parte, mas permanece vivo na memória e nas histórias da comunidade.
Em síntese, o texto é um retrato afetivo e cultural de um homem que representa o espírito criativo do interior brasileiro — um contador de histórias, um artista completo, um sábio popular. Através de sua figura, o autor celebra não apenas um indivíduo, mas a força da cultura oral, da arte popular e da memória coletiva de Correntina.