O sucesso do rádio lá no ermo

(Hélverton Baiano)

 

No início da década de 1940, o rádio chegou nos meus ermos rincões de Correntina, para o encantamento de toda a população. O dono do rádio era o comerciante e político Felipe Santos. Como ainda não havia energia elétrica na cidade, o rádio funcionava à bateria. A chegada do rádio foi um acontecimento e tanto, regalo para todos os moradores, sendo os episódios daí surgidos constantes em todos os relatos dos mais velhos.

Contam que, à tardinha, as pessoas acorriam para a porta da casa de Felipe Santos a fim de se divertirem ouvindo no rádio programas humorísticos, o noticiário do Repórter Esso e musicais (programas como os de César de Alencar e de Manoel Barcellos), com as participações de Jararaca e Ratinho, Tonico e Tinoco, Dalva de Oliveira e Francisco Alves, entre tantos artistas. Muita gente levava esteira, bancos e cadeiras para se sentarem à frente do rádio. As mais sintonizadas eram as rádios Inconfidência Mineira, Tamoyo e Nacional.

O encarregado de ligar e desligar o rádio era o Capitão Aldegundes Magalhães, que para isso levava uma parafernalha de ferramentas e ficava um bom tempo na labuta de botar o rádio para funcionar, no intuito de demonstrar às pessoas a dificuldade daquela tarefa, que só podia ser realizada por ele. Consta que, na hora em que tocava música, improvisava-se até um pequeno baile dançante com a participação dos casais e dos jovens que lá estavam. Era uma atração e tanto. Sutilmente, iniciava-se a introdução, na comunidade local, de novas tecnologias, que aos poucos começavam a substituir a originalidade criativa e a autenticidade das pessoas, concorrendo, por exemplo, neste caso, cos conjuntos musicais da cidade. O rádio passou a ser um ponto de apoio aos músicos, que o ouviam para tirar as melodias que fariam parte do seu repertório posteriormente.

O gramofone veio também e aí as pessoas já podiam ouvir discos. O primeiro gramofone que se tem notícia por lá foi conseguido pelo Tenente-Coronel Simphrônio Biza. Em seguida, Felipe Santos adquiriu o seu e encantou a cidade também com a instalação em sua casa de um gerador de energia elétrica. Há inúmeros relatos engraçados sobre o aparecimento do rádio lá e em todas as regiões interioranas do Brasil. Protagonistas de muitas delas era o hilário Coronel Clemente Araújo, de Santa Maria da Vitória, cidade vizinha. Ele também adquiriu seu gramofone, mormente porque dava status e só aos mais ricos era permitido esse luxo.

Quincas de Raymundo Salles, que me repassou várias histórias dessas, contou que o mesmo Coronel Clemente comprou um rádio daqueles grandões, com o qual deliciava-se ouvindo músicas e programas variados. Certo dia, um rato entrou no rádio, levou um choque e morreu lá dentro. Passados uns dois dias, lá vai o Coronel Clemente ouvir o seu cantor preferido interpretando uma bela música no rádio, com o ouvido bem encostadinho para não perder nenhum detalhe de melodia e porque a transmissão ainda não era muito boa. Concluída a audição musical, com algum custo olfativo, escapou-lhe um drástico comentário: “Esse cara canta bem, mas tá com um mau hálito dos diabos”.

2 COMENTÁRIOS

  1. Olá, gosto de le, sempre que posso, cada publicação deste jornal. Os colunistas sempre nos passa algo que aprendemos, admiramos ou até mesmo questionamos se tal história é de fato verdadeira, rsrs. Todos estão de parabéns. Feliz é grato por cada postagem. Abraço.

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