Publicado em 04/06/2023 às 15h15
Texto de Alorof com a participação especial de Hélverton Baiano.
Colunista ALOROF – Aloizio Rocha França
ARVOREDOS
Já que ninguém se arvora, atrevo-me a falar um pouco de arvoredos; mas dos arvoredos de São João lá em Correntina; terra que me viu nascer e mijar pela primeira vez. Bem, lutrimentos à parte, naqueles idos anos 60 quando se comemoravam Santo Antônio, São João e São Pedro em Correntina, tínhamos dispostos pela cidadezinha muitas fogueiras, arvoredos, festas juninas de encher os olhos e soltar as bombas; quitutes e churrascos em muitas casas; enfim era uma grande festa no mês de junho, quase sempre mais frio; todavia muito gostoso.
As ruas eram embelezadas com muitas bandeirolas, fogueiras e arvoredos. Estes eram árvores apanhadas no mato, trazidas para a cidade, num ritual de cachaça e alegria; enfeitadas com presentes e prendas (desde dinheiro, tecidos, laranjas, bananas, canas, brinquedos e até utensílios domésticos, dentre outros) em seus galhos; depois plantadas em meio às fogueiras. Alguns arvoredos eram erguidos em pagamento de promessas aos santos católicos das festas juninas. Outros eram mesmo ou por tradição ou por puro prazer e alegria na festança. Algumas ruas até rivalizavam-se com outras, de tantos arvoredos e enfeites que se tinham.
Dentre os mais tradicionais podíamos ver os de Seu Anjo, Nem de Jair, Dona Vivi , Tõe de Otaviano (na festa de Santo Antonio), Quinca Baé, Chiquito, Adalberto, Pedro Biéca, Seu Diolino, Ana de Tão, João de Rita, Lino Cheiroso, Seu Zequinha, Lino do Boi, Vitor, Bilisco e enfim tantos outros que até o próprio leitor talvez possa nos ajudar. Hoje, dentre os poucos que ainda persistem, o de Otaviano e João Binga se destacam. Mas a farra da queda do arvoredo, após a queima de parte do seu caule, era o ponto que mais chamava atenção.
Os preparativos de um arvoredo, desde a sua busca no mato, o desfile dele nos ombros dos farristas pela cidade; a colocação dos enfeites; o erguimento do arvoredo em frente à casa do seu dono, com uma fogueira ao redor; isso tudo eram etapas da festa que culminava em sua queda. O melhor mesmo era vê-lo cair.
O barulho dos socos, tapas, murros nas costas dos avançadores de arvoredo, eram tantos que até atrevo-me em dizer que havia um ímpar e exclusivo som do arvoredo. Dentre os grandes avançadores um se destacava de todos: era o conhecido Nêgo Dejaime, de figura alta, magro e bastante esperto. Em certos casos, Dejaime escolhia com antecedência o que havia de melhor para avançar; e na queda do arvoredo ele simplismente segurava o tronco pouco antes deste tocar ao solo, retirava o que era de seu interesse e depois liberava a árvore para os demais avançadores.
Era um mestre nesse ato e por muitos temido; mesmo sendo ele uma boa figura e quase pacato; morador antigo da Rua da Varginha; onde era discípulo de Seu Hélio de Miliano, Neném de Sulina, Bitinha de Nêgo de Ló, Diu de Dedim dentre outros.
Conta-se, ou hão de contar ainda, que certa vez tentaram formar uma frente ampla de avançadores de arvoredos, liderada por Laris e Tõe Besta, para fazer oposição a Dejaime. Era São João, o arvoredo de Seu Anjo tava uma belezura só. Muita gente na praça do Hotel de Dona Vivi admirando a riqueza.
No beco de Seu Anjo, junto à casa de Seu Ludugero, pai de Jonas; estava reunida a tal frente ampla, discutindo a melhor forma de barrar Dejaime; para não deixá-lo avançar na bandeira de popeline onde estava fixada uma nota de “milão”(uma nota de um Cabral= 1000 cruzeiros que era uma fortuna! Conversa daqui, cochicha dali, Xuíte passa, apurando os ouvidos sem nada captar; aí chega-se a um consenso: com a adesão de Fabinho de Dona Siana à frente anti Dejaime, o mesmo é eleito o avançador oficial daquela turma e que iria retirar a bandeira com o dinheiro. Para isso, os demais membros formariam uma barreira para não deixar Dejaime sequer tocar no arvoredo, quando este estivesse caindo.
Eis que é chegada a hora da queda do arvoredo de Seu Anjo; no local (a praça Deodoro da Fonsêca) do hotel de Vivi, a algazarra era geral; fogos pipocando e assobiando pelos ares; em terra, bombas, chuvinhas, traques, truques e até roscas eram queimadas! De repente o arvoredo começa a cair; Dejaime se aproxima, seu estômago começa a se revolucionar; talvez pressentindo a armação dos seus adversários; seus olhos fixos na bandeira com o dinheiro; seu resto de sandália japonesa começa a despedir-se; sua camisa escura é rasgada por alguém; logo ele percebe a tentativa de derrubá-lo. Aí não tem jeito a não ser usar o último recurso que ele tinha, fazendo das tripas a sua força. Assim então ele libera um potentoso, silencioso porém fatal peido, deixando logo de cara Fabinho de Dona Siana imóvel. Os demais membros da frente ampla entram logo na orquestra dos murros, socos, coices e xingamentos entre si (como era em todo bom partido); deixando Dejaime livre, leve e solto a catar mais brindes do arvoredo; enquanto Zé Bolinha, Barão, Afonso, Nito de Leônidas, Vadó, Xuíte, Urânio, Preto de Amazilia, os guardas de Pedro Guarda e tantos outros riam, chamando atenção de Geraldo Bezerra (ou de Xixico) que na época fazia vestibular para coroinha. Faça seu arvoredo mas plante uma árvore.
Alorof, com a participação especial de Hélverton Baiano. Em 14-06-2013.
Alorof e Hélverton Baiano.
Enviado por Alorof em 14/06/2022
Código do texto: T7537846
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