Publicado em 09/06/2025 às 09h38.

Antonio Rocha.
ANTÔNIO ROCHA: Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Curso livre em Teologia, especialização em Filosofia Clínica, pelo Instituto Packter e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás.
Foto: João Diamantino.

JOÃO DIAMANTINO E O MILAGRE DA MULTIPLICAÇÃO.

Há pessoas de biografia tão dinâmica, que explicitá-la se torna uma tarefa absolutamente desafiadora. É o caso do Sr João Diamantino, homem habilidoso e dotado de empírica sabedoria. Consta que ele operava até milagres a céu aberto. Sem qualquer título acadêmico, tinha a expertise de literato, escritor, poeta, contista, cronista, historiador e exímio orador. Essa figura de múltiplas facetas culturais era natural de Juazeiro, Bahia.

Com o ânimo de defender o povo correntinense, estabeleceu-se na cidade, onde desposou Sinhazinha e constituiu sua família. Quando João não estava envolvido entre as peças jurídicas e a defesas de seus clientes, encontrava-se na lida com o rebanho, em sua fazenda no morro do estreito. Quão belo terreno, margeado pela estrada da Luzia e pelo rio Correntina, limitando-se, na frente, com a fazenda de Odílio França e, aos fundos, com seu homônimo que carrega o apelido de Binga.

Foto: João Diamantino.

Aquele ser humano de rara e notável relevância político-sócio-econômica para a região, jamais cedeu aos tentadores apelos da ostentação material. Desapegado, locomovia-se usando as próprias pernas como meio de transporte. Nos dois períodos diurnos dirigia-se à sua fazenda, com o habitual andar manso e faceiro, conhecido de todos. Vagaroso, sem pressa, de botina e faca não mão, caminhava distraidamente, como um filósofo ambulante. Passava a impressão de que ruminava alguma leitura de clássicos da filosofia, ou de doutrinadores do direito.
Sui generis, João ia pelas ruas cumprimentando dona rosinha ali, dona Maria acolá. Três casas à frente, encontrava-se o morador Hélio Bodeiro, na ponta da Rua Joaquim Bundão. Dali seguia até alcançar o Cancelão e pegar a descida para o morro do estreito. O milagre da multiplicação ocorria exatamente nesse trajeto. Por inúmeras e incontáveis vezes, eu próprio vi seu João acompanhado por uma multidão de crianças, caminhando até o descambo da ladeira.

Foto: João Diamantino(terceiro da foto).

É que ele tinha o costume de portar um alforje ou uma sacola qualquer, contendo algumas bananas camufladas e reservadas para distribuir às crianças nas ruas. Com apenas meia dúzia de bananas, alimentava muitos pequenos que se aglomeravam ao seu redor. Para realizar o milagre, João media o equivalente um dedo deitado apenas e, com um canivete, fatiava as bananas.

Ato contínuo, distribuía para cada criança uma fração, enquanto repetia o habitual refrão: “toma ai bichão de sorte!” A cena começava na Praça de Vivi, subiam a Rua de Temístocles, a Rua Álvares de Farias e viravam a Rua Felix de Araujo até às fronteiras do Cemitério Velho. Apenas meia dúzia de bananas, um canivete e um refrão: “ êta bichão de sorte!” O milagre estava consumado. Sob o próprio compasso, o rábula ia congregando, arrebanhando e conquistando o amor, a confiança e a empatia da meninada. Às vezes, seu João diversificava a natureza e a forma dos presentes que distribuía às crianças.

 

A dádiva podia ser um amendoim, ou quaisquer frutas, as quais eram sempre repartidas em fatias ou em grãos, mesmo que para isso fosse necessário repetir a dose. Mas, se por um lado João Diamantino agradava-se das crianças, por outro, era implacável com os adolescentes, jovens ou adultos que ousassem invadir as suas terras para subtrair algo. Muitas vezes Diamantino teve que escorraçar alguns larápios que tentavam surrupiar algum produto do seu roçado.

Foto: João Diamantino (centro).

Conta-se que certa vez ele flagrou um gatuno furtando melancia e, com uma espingarda carregada à base de sal, ordenou ao infrator: “reze e caia n’água Bichão de sorte!” Diz a lenda que não teve outro jeito, senão descer nadando rio abaixo, do morro do estreito até o Ranchão, sem levar o produto do furto. Apesar deste episódio, nunca se ouviu ou viu qualquer ato violento por parte de João Diamantino. Este era um homem cordato, de boa índole e extremamente simpático.

1 COMENTÁRIO

  1. Que bom poder ler mais um belo texto seu, Antônio Rocha de Souza! Desta vez, você nos premia com esta história biográfica do grande João Diamantino!
    Tive o privilégio de conhecer o senhor João Diamantino, quando trabalhava no jornal A FOICE, órgão informativo do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Correntina. Dentre outras matérias que escreveu para o jornal A FOICE (do qual era grande incentivador), destaca-se “Professores de Incivilização”, através da qual denunciou as práticas de trabalho escravo e do roubo e matança do gado dos criadores coletivos do secular fecho localizado na área grilada pela empresa reflorestadora, PRESTEC.
    Ao ler sua matéria, meu caro Antônio Rocha de Souza, e passar a conhecer diversos fatos, que desconhecia, da vida de João Diamantino, dentre outras imagens, veio-me à mente, a dele lendo o jornal à frente de sua casa perto da antiga sede dos Correios, na qual trabalhava o nosso saudoso amigo, Odesvaldo.
    Obrigado por seu trabalho de resgate da verdadeira história de Correntina, da qual o povo é o autêntico protagonista – e não as famílias privilegiadas tradicionais, como aparecem em “romances históricos” publicados por autores, desprovidos das competências técnicas historiográficas exigidas, cuja única preocupação é a deturpação da verdade, para afago do próprio ego e dos seus compadres integrantes da pseudo elite correntinense.
    Parabéns a Antônio Rocha de Souza e ao Jornal de Correntina pela publicação deste/a artigo/matéria!

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