Publicado em 15/10/2024 às 10h42

Professor Paulo Oisiovici, junto a escultura do escritor Fernando Pessoa, em Lisboa/Portugal.

A todos os meus colegas professores e a todos os que em minha vida errante me ensinaram e me ensinam, que fizeram e fazem de mim o que tenho sido e o que sou, dedico esse poema do meu poeta português preferido, principalmente ao povo trabalhador, em especial, aos camponeses sábios do Couro de Porco e aos doutores Luís Alberto Marques Alves, Nuno Bessa Moreira, Clodomir Santos de Morais e Yuri Zhukov, com quem mais aprendi e a quem devo tudo.
MESTRE
(Fernando Pessoa)

PhD Luís Alberto Marques Alves.
PhD Clodomir Santos de Morais (Universidad de Rostock, Alemanha).
Phd Nuno Bessa Moreira, (Universidade do Porto).
PhD Yuri Zhukov (Universidade de Moscou).
MSc Professor Paulo Oisiovici.

MESTRE, meu mestre querido!
Coração do meu corpo intelectual e inteiro!
Vida da origem da minha inspiração!
Mestre, que é feito de ti nesta forma de vida?

Não cuidaste se morrerias, se viverias, nem de ti nem de nada,
Alma abstrata e visual até aos ossos,
Atenção maravilhosa ao mundo exterior sempre múltiplo,
Refúgio das saudades de todos os deuses antigos,
Espírito humano da terra materna,
Flor acima do dilúvio da inteligência subjetiva…

Mestre, meu mestre!
Na angústia sensacionista de todos os dias sentidos,
Na mágoa quotidiana das matemáticas de ser,
Eu, escravo de tudo como um pó de todos os ventos,
Ergo as mãos para ti, que estás longe, tão longe de mim!

Meu mestre e meu guia!
A quem nenhuma coisa feriu, nem doeu, nem perturbou,
Seguro como um sol fazendo o seu dia involuntariamente,
Natural como um dia mostrando tudo,
Meu mestre, meu coração não aprendeu a tua serenidade.
Meu coração não aprendeu nada.
Meu coração não é nada.
Meu coração está perdido.

Mestre, só seria como tu se tivesse sido tu.
Que triste a grande hora alegre em que primeiro te ouvi!
Depois tudo é cansaço neste mundo subjetivado,
Tudo é esforço neste mundo onde se querem coisas,
Tudo é mentira neste mundo onde se pensam coisas
Tudo é outra coisa neste mundo onde tudo se sente.
Depois, tenho sido como um mendigo deixado ao relento
Pela indiferença de toda a vila.
Depois, tenho sido como as ervas arrancadas,
Deixadas aos molhos em alinhamentos sem sentido.
Depois, tenho sido eu, sim eu, por minha desgraça,
E eu, por minha desgraça, não sou eu nem outro nem ninguém.
Depois, mas por que é que ensinaste a clareza da vista,
Se não me podias ensinar a ter a alma com que a ver clara?
Por que é que me chamaste para o alto dos montes
Se eu, criança das cidades do vale, não sabia respirar?
Por que é que me deste a tua alma se eu não sabia que fazer dela
Como quem está carregado de ouro num deserto,
Ou canta com voz divina entre ruínas?
Por que é que me acordaste para a sensação e a nova alma,
Se eu não saberei sentir, se a minha alma é de sempre a minha?

Prouvera ao Deus ignoto que eu ficasse sempre aquele
Poeta decadente, estupidamente pretensioso,
Que poderia ao menos vir a agradar,
E não surgisse em mim a pavorosa ciência de ver.
Para que me tornaste eu? Deixasses-me ser humano!

Feliz o homem marçano,
Que tem a sua tarefa quotidiana normal, tão leve ainda que pesada,
Que tem a sua vida usual,
Para quem o prazer é prazer e o recreio é recreio,
Que dorme sono,
Que come comida,
Que bebe bebida, e por isso tem alegria.

A calma que tinhas, deste-ma, e foi-me inquietação.
Libertaste-me, mas o destino humano é ser escravo.
Acordaste-me, mas o sentido de ser humano é dormir.

(Fernando Pessoa – Ficções do Interlúdio – 15.04.1928

Professor Paulo Oisiovici.

1 COMENTÁRIO

  1. Como sempre brilhante e atento, você, Prof. Paulo. Que bela homenagem, e que bela escolha esta… a do Fernando Pessoa…
    Justa, bonita, apropriada, tempestiva e merecida manifestação de carinho e apoio, aos nossos (as) professores(as), num tempo difícil e desfavorável para essa injustiçada categoria. Parabéns a você Oisiovici, por essa inteligente escolha!

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.