Publicado em 14/03/2025 às 17h54.

Foto: Divulgação JC.

Por Antonio Rocha: AS ENCOMENDADEIRAS DE CORRENTINA.

Elas vêm de longe! Encomendam, recomendam e suplicam. Mas, afinal, elas quem? As encomendadeiras de Correntina. São grupos, normalmente compostos por piedosas mulheres que persistem e insistem em preservar a tradição, por meio da voz, do canto e do choqualhar das matracas.

Em seus lamentos, cantos e rezas, encantam a Deus e a humanidade, convictas na sensibilização do Supremo e, consequentemente, na libertação das almas do purgatório. As preces são dirigidas para Aquele que pode aliviar o penar dos que purgam pecados na fronteira entre o céu e o inferno. Vão elas, todas de branco, cabeças encobertas pelo capuz, matracas nas mãos e vozes impostadas, pedindo clemência ao Nosso Senhor.

Mais que uma simples tradição medieval de prática noturna, que se espalhou por várias partes do mundo, o rito da encomendação das almas nos apresenta múltiplos significados. Para além da piedade popular católica, estas Encomendadeiras resgatam, para nós, a dimensão do cuidado, da proteção e do amparo. Demonstrando que seus entes mortos continuam vivos, e bem vivos, porém numa outra dimensão. Não obstante, continuam ligados a nós pela sua história de vida, pelas lembranças e afetos transmitidos como legados.

É este cuidado quase maternal, manifesto na preocupação de bem estar e felicidade, que as leva a suplicarem tom de lamento, as encomendações e recomendações, em favor das almas apenadas. Ocorre que os laços familiares e sócio-afetivos, realmente jamais foram desfeitos. O fenômeno das encomendações ultrapassa a dimensão folclórica ou o da simples representação teatral. As Encomendadeiras têm o dom de levarem consigo um olhar compassivo e solidário pelo outro, constituindo-se num ato de puro amor. Como preconizou Umberto Eco: “amar é dizer para o outro: você nunca vai morrer.”

A beleza da peregrinação penitencial, das Encomendadeiras de almas de Correntina, percorrendo ruas e becos da Cidade, reside exatamente neste ato libertário. Libertação do sofrimento das almas aprisionadas na cadeia da solidão espiritual, que supõe-se infinda. É como se fosse a recomendação de uma mãe feita a alguém muito querido e poderoso, dizendo: olha, o meu filho foi para a sua casa, cuide bem dele; acolha e proteja-o!
Talvez esses penitentes noturnos que vagam pela noite, em passos silenciosos, acreditem piamente que, após a morte, o falecido não consiga fazer mais nada pela própria salvação. De resto, ficam inapelavelmente à mercê dos pedidos rogatórios de quem ainda habita a terra.

Enfim, para além da interpretação das cenas e da beleza estética das encomendações deste tempo quaresmal, de fato a sua continuidade traz-nos alento e esperança. Ela faz parte da nossa memória histórica, do nosso acervo cultural que nos remete ao passado, às nossas raízes. Tudo isso é que garante a manutenção da nossa identidade e não nos permite perder na poeira do tempo. Salve as Encomendadeiras de Correntina!

Antonio Rocha.
ANTÔNIO ROCHA: Graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Curso livre em Teologia, especialização em Filosofia Clínica, pelo Instituto Packter e mestrado em Ciências da Religião pela PUC Goiás.

2 COMENTÁRIOS

  1. As encomendadeiras de almas, ou penitentes, como é chamada em outras partes do nordeste, nos mostra como a cultura deixada pelos colonizadores ainda está viva e precisa ser preservada!

  2. Com mui grata satisfação tomo conhecimento do trabalho do jovem Antônio Rocha e sinto o renascer de uma esperança de que nossa história tem sangue jovem que se dá pela perpetuação de nossos valores culturais. Gostaria muito de obter seu contato e apresentá-lo a antologia poética que estou concluindo. Mais de 20 poetas locais com resumos biográficos, com apresentação e comentário de José França Weden e Getúlio Reis , gostaria muiiiito saber uma opinião deste admirável jovem a quem por intermédio do JC envio o meu abraço.
    Albani Silva
    Antônio Barbosa
    Alberto Nascimento
    Aloísio França
    Armando Moreira
    Ena Rocha
    Flamarion costa
    Geraldo bezerra
    Geraldo Pereira
    Hélverton Baiano
    Henrique Luís Costa
    Henrique Soares
    Honorato Ribeiro
    Irmã Galhardo
    Italo Ipojucan CostA
    Javan Carlos costa
    João Guerra
    João Diamantino
    Magnovaldo Vava
    Marivalda Barbosa
    Osvaldi Rocha
    Selma Coqueiro
    Teoney Guerra
    Teófilo Guerra
    Welson Moreira
    Vava…
    A obra não tens fins comerciais, apenas será doada as bibliotecas do município.

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