Publicado em 18/06/2025 às 17h13.

SEU LUIZINHO E SUAS MÚLTIPLAS FACETAS
Por Antonio Rocha.

O ensaio de hoje põe no centro da reflexão o seu Luizinho de dona Zulmira. Morador da casa de esquina, no exato ponto de bifurcação das ruas Álvaro de Farias com a Félix de Araujo. Ali, Luizinho se encontrava com os vivos e os mortos, já que sua rua dava para o cemitério.

Sem mais pormenores, Luizinho era um homem negro simples, estatura mediana e dotado de inúmeras habilidades. Legítimo camponês, era músico, comerciante e ainda revelava sua expertise humorista. Embora detentor de tais qualidades, sua maior fonte de renda era o roçado que cultivava nas terras de Pedro Ferreira. Trabalhando de meeiro com Seu Pedro na fazenda da Zumba, Luizinho se revezava entre a cidade e a roça, e vice-versa. No roçado plantava de tudo: feijão, milho, gergelim, melancia, amendoim. Todavia, o seu forte e o que lhe dava mais retorno em dinheiro, era a produção de fumo.


Notabilizou-se como um dos maiores produtores de fumo de rolo na região. Inventivo, logo atinou de montar um balcão de negócios para dar vazão comercial aos produtos do próprio roçado. Ergueu, na frente de sua residência, um puxadinho que se transformou numa vendinha. Luizinho vendia os produtos resultantes do trabalho de sua família, como os acima mencionados. Por ter uma prole numerosa, aproveitava para empregar todos os filhos e filhas na produção. Os mesmos ajudavam, do serviço da capina até o transporte das mercadorias. No final do dia, era possível ver uma trinca de filhos e filhas enfileirados, como formigas, transportando os frutos sobre as cabeças, em direção à residência. A extensão do percurso era de aproximadamente três km, do roçado até a cidade.

Comunicativo, piadista, brincalhão e prestativo, Luizinho proporcionava alegria dos fregueses, o sorriso dos passantes e a euforia das crianças. Posteriormente, o nosso homenageado descobriu que virar vendedor ambulante seria um boa idéia. Foi então que construiu, para si, um carrinho pipoqueiro.

O veículo se parecia muito mais com um carro alegórico do que com um móvel recipiente de guloseimas. Nele Luizinho carrega pé de moleque, cocada, puxa, pirulito, pipoca de sal, pipoca de doce, amendoim torrado e até cajá. Para circular e vender a sua mercadoria, ele escolhia, preferencialmente, as datas festivas, as chegadas dos Circos na cidade, as festas no Cine Teatro ou Clube Roda D’água. Fazia isto, inclusive, aos sábados e domingos de matinês.

Nessas datas, Luizinho saia com o carrinho iluminado pelo lampião à gás, multicolorido de produtos diversificados. Deixava as crianças e os curiosos clientes salivarem de desejo. Aquele cheiro de pipoca saída do forno, aquele aroma de amendoim torrado, o doce caldo de cana batido até virar puxa, o sabor do pirulito caramelizado com cravo, o crocante pé de moleque exalando cheiro de amendoim adicionado a rapadura, tornavam irresistível aos transeuntes. Mas Seu Luizinho não era só isso. Ele era pura presença de espírito, figura prendada de bons ouvidos, percepção e sensibilidades apuradas, aliadas a uma boa noção de compasso e pulsação rítmica. Daí, para virar músico, foi um passo só.
Logo tomou parte na Filarmônica de Correntina. Era ele quem garantia o ritmo, marcando o compasso com as batidas do seu bumbo, revezando intervalos com o inesquecível Chichico Bezerra.

Nas grandes datas cívicas comemorativas da cidade, ou nos grandes festejos religiosos, como: festas da Padroeira, do Divino e de Nossa Senhora do Rosário, lá estava Luizinho, vestido com seu belo terno e gravata, marcando presença e garantindo o compasso da filarmônica. Ali ele se protagonizava, saindo do anonimato da roça para fazer figura na nata social de Correntina.

Socializado, aclamado, admirado e reconhecido, vivia o seu momento de glória, de exaltação e valorização de sua pessoa. Exatamente por essa metamorfose é que Luizinho tornou-se, doravante, figura enigmática de difícil definição. Ninguém sabia, ao certo, qual era a dele. Era apenas um camponês? Um simples vendedor ambulante, ou um invejável integrante da destacada filarmônica? As conclusões ficam para o (a) leitor(a).