Publicado em 11/09/2022 às 08h30
Por Alorof, codinome do poeta correntinense Aloizio França.

 

NAS TRILHAS DA SAUDADE

Saindo da minha casa em Correntina, rumo à feira; eis que lembrei-me de um item a ser comprado; e falei em alto e bom som: CEBOLA ! E logo uma séria senhora (que não era a Madame Min dos almanaques de Walt Disney) ia passando e respondeu-me numa chuva de palavrões; chegando a espumar pelos cantos da boca, de tanta raiva.

Foto: Divulgação

 

Mas, já estava à porta da minha casa o meu amigo ULISSES, surdo e mudo, com um feixe de cana e um abacaxi às mãos, pronto para ofertar-me num largo sorriso, apesar da banguela; desejando apenas tomar um café. Era eu um feliz garoto naquela minha grata infância; e entendia toda mimica feita pelo ULISSES. Hoje eu não entendo a linguagem em libras, mas sei que essa linguagem que a TV mostra, acaba sendo mais interessante que os discursos que são mostrados em paralelo.

Foto: Divulgação

 

Ao fim dos xingamentos de uma CEBOLA e os agrados do ULISSES, JOANA, DOIDA para cantar e dançar, passou apressadamente pela rua, indo em direção ao rio, aonde NEZO já batia numa lata e dançava, deixando TÕE BESTA ! Mas RAIMUNDA, RAPOSA velha, subia e descia ladeiras, varando cancelas, entrando e saindo nos cemitérios; enquanto discursava palavrões de remexer caveiras; insatisfeita com tudo.

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Nem YEYÉ, simpático à juventude que dançava iê iê iê, entendia aquele avexamento na cidade. De vez em quando JUSTINA, mesmo CÉGA, acalmava a todos, cantando e esmolando. Sua voz de tão suave, parecia uma MÃO DE SEDA furtando o barulho das ruas. BERTO e BAZÚ bem sabiam como movimentar pela feira, onde ainda ecoavam as cantigas de ZÉ CAETANO e MANEZIM; enquanto LARIS, com o nariz escorrendo nas gorduras do torresmo que comia, assuntava UMA a UMA as pessoas que passavam para ver JOÃO BALÃO num desconsolo sem fim.

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Esse ato deixava JÚLIO DOIDO, correndo pela cidade; erguendo casas sem portas e declamando versos às flores dos jardins. AURÉLIO, nu de qualquer maldade pedia à TIA, CAJU para matar o tempo recluso em sua casa. E de casa em casa, GREGÓRIO, DOIDO por um agrado, ia entrando e saindo. DIÓ, MARIA É MINHA inspiração mas, não uma Maria qualquer e sim MARIA BALÃO com seus anéis coloridos, cobertor fétido de urina, seus balangandãs; suas tralhas, deslizando suavemente pelas ruas da cidade; ora cantarolando e DOMINGO, CABAÇA em punho, cheia de água fresca; lá no Mercado Municipal, sujasse um pouco mais a sua roupa no sangue bovino.

Se a morte não lhe apressasse, ele ainda viveria mais MILIANO; e BERNARDINA teria levado mais crianças ao Barrocão; enquanto SUARES bebia toda água dos balcões dos bares e das chuvas; sonhando num possante caminhão Mecedes Benz (nenhém, nenhém, nenhém); quase atropelando o amigo CORNELINHO, que ia desviando do carro de bodes de MIGUELZINHO de seu Lolô; descendo à praça Felipe Santos sob a rizada de SUSSUARANA.

Foto: Divulgação

 

NÃ não posso esquecer, com seu vasto chapéu cofre preso à cabeça, estilo JOÃO ANDRADE; acumulando cédulas. Isso tudo era um espetáculo aos meus olhos infantis; ZEQUEIRA ou não queira, aquele ex vaqueiro, paraplégico pela chifrada de um boi sem coração; empunhando seu antigo ferrão, num sacrifício desigual; depois carregado num carrinho de bois, esmolava pelas ruas. Era quase um desfile de TEREZA SPANEF com as TRAVESSAS no cabelo, num movimento de TIRINFINCA, parecido como quando JIO, ALICE e CASSÚ pilavam arroz, sem botar ZIM, PANQUINHA.

Alegria maior não existia ao assistirmos toda esse pessoal sob o canto das COÃS quando viam LEOCÁDIA chegando com seus birros e começava a declamar seus belos versos tais como:” Tô aqui porque cheguei/ Demorei porque custei/ Não trouxe dinheiro porque gastei/ Tô precisano de encomenda/ Mas mandaro eu pidiMia”. Essa gente toda, indo e vindo; entrando e saindo, num deleite para a garotada quase inocente, que ignorava o drama social vivido por todos eles; num cotidiano infeliz e que parecia nunca ter fim. Essa gente boa passou. A garotada cresceu e vai passando; mas ficou a lição para todos nós, daquele modus vivendi: somos todos iguais.

7 COMENTÁRIOS

  1. Lembranças !
    Quantas Lembranças!
    Desses aqui lembrado, me lembrei da Cebola e do Júlio doido. Conta que o Júlio sofreu uma grande decepção amorosa em Santa Maria da Vitória daí ele ter ficado assim. Será?

  2. Lembro-me de Júlio Doido vendia feixe de lenha, Aum Aum andando pelo mercado velho quase nas pontinhas dos pés, Eva doida quase semi nua segurando na mão de seu filho, Cebola pronunciando seus palavrões claro alguém a provocando para ver sua raiva e Zé Doido que morria de medo quando passava na garupa do cavalo do meu pai quando ia ou vinha das Moendas meu pai brincava muito com ele. Esses são os personagens de minha infância. Merece um livro!!!

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