Publicado em 17/12/2024 às 18h10.
Colégio do Padre encerra hoje as atividades
Teoney Araújo Guerra
Nesta quarta-feira, 18 de dezembro, o Colégio Estadual de Correntina, estabelecimento de ensino histórico da nossa cidade, conhecido pela população local como Colégio do Padre, encerra as atividades.
O fechamento da unidade de ensino ocorre após 65 anos de serviços prestados a Correntina e seu povo, iniciados em 1959, quando a primeira turma foi constituída e as aulas iniciadas, sob a direção da professora Anísia Silva Moreira. A criação e o ato inaugural datam de 15 de maio de 1958; o registro na Secretaria de Educação do Estado da Bahia tem o nº 1820, com a denominação de Educandário São José. Porém, o “ato de criação” só foi publicado no Diário Oficial do Estado da Bahia no dia 26 de março de 1960.
O Educandário São José, que teve como entidade mantenedora, inicialmente a Sociedade São Vicente de Paulo (SSVP), e depois, a partir data não conhecida – no final da década de 1970 – a Campanha Nacional de Escolas de Comunidade (CNEC), foi idealizado e fundado pelo então Padre André*, o pároco local que chegara à nossa cidade em 1956, vindo do Seminário Diocesano de Diamantina (MG), onde foi ordenado.
O início das aulas ocorreu “ainda antes de ser concluída a construção do prédio”, de acordo com informação de um histórico da escola que foi elaborado por professoras que nela lecionam. Prédio esse que estava sendo construído para nele funcionar um “seminário”. Porém, o Padre André convencera o Bispo da Diocese – então sediada na cidade de Barra -, Dom. João Muniz, a destiná-lo ao colégio.
A continuação da obra, que – quando era destinado ao seminário – era custeada pela Diocese, passou a ser custeada com dinheiro oriundo da ajuda e recursos financeiros Grupo do Círculo Bíblico, do Município, através de doações destinadas pela prefeitura – aprovada pela Câmara Municipal -, da comunidade em geral – com a realização de leilões e a doação de materiais de construção -, além de doações em dinheiro, obtidas pelo padre junto a instituições estrangeiras e representações diplomáticas sediadas no nosso país.
Quando registrado, o estabelecimento de ensino foi autorizado pela Secretaria Estadual da Educação a ministrar o 1º grau, nível I, nos turnos matutino, vespertino e noturno, porém, inicialmente só funcionou o turno vespertino. Não foi possível obter informação sobre quantas turmas foram criadas no primeiro ano, a quantidade de alunos que formaram a primeira turma, nem quantos professores lecionavam. Mas, relação do “resultado final” dos alunos, do ano letivo de 1964 dá conta de que naquele ano, as quatro turmas do horário vespertino totalizavam 44 alunos. Em 1971, esse número subiu para 105 alunos: 34 da 1ª Turma, 29 da 2ª Turma, 20 da 3ª Turma e 22 da 4ª Turma. Em 1974, ano em que a entidade mantenedora da Escola assinou convênio com o governo estadual para obter recursos do Estado, foi autorizado a implantação do 2º grau em Formação Geral e o Curso de Magistério. A quantidade de alunos nas turmas, já funcionando nos três turnos, subiu para 804, em 1974. Uma relação de ex-alunos, datada de 1978, indica que, desde a sua fundação até aquele ano, haviam passado pelas carteiras da unidade de ensino, 494 estudantes. No ano de 1984, foram matriculados 799 alunos e alunas, sendo 378 do sexo masculino e 421 do sexo feminino. Foi fundado então, o Centro Educacional de Correntina – outra escola, funcionando no mesmo prédio.
Além dos recursos financeiros da própria Paróquia/Diocese, e do governo estadual – através de Secretaria de Educação do Estado da Bahia -, o Padre André, que era o diretor da entidade mantenedora buscava obstinadamente outras fontes de recursos financeiros para a manutenção e melhorias na escola. Uma correspondência da Embaixada do Reino dos Países Baixos (Holanda), datada de 21 de abril de 1993, em resposta a outra correspondência do Padre André, de 30 de maço do mesmo ano, informava que “A Embaixada Neerlandesa colocará a sua disposição […] o contravalor […] Cr$ 148 milhões ao câmbio de hoje” – não foi possível fazer a conversão para a moeda atual.
Em 1986, o Educandário São José e o Centro Educacional de Correntina foram unificados, sendo mantido o nome de Centro Educacional de Correntina (CEC), que em 2014 foi incorporado à rede de ensino do governo da Bahia com a denominação de Colégio Estadual de Correntina.
Além de oferecer o primeiro e segundo graus e o Magistério, a unidade de ensino ofertou ainda a Escola de Datilografia Nossa Senhora da Glória, e cursos técnicos voltados para a agropecuária – setor econômico para o qual o município tem vocação: Curso Técnico em Agropecuária, Técnico em Agroecologia, Técnico em Agronegócio e Agroextrativismo. O curso de Magistério permitiu a formatura de centenas de professores que atuaram e atuam no nosso município, permitindo a profissionalização do ensino local.
Por sua ligação com a Igreja Católica – antes de ser assumido pelo Estado -, o Colégio teve, internamente, uma forte influência não apenas na disseminação dessa doutrina, mas também na reafirmação dos valores religiosos e morais. Razão pela qual teve um padroeiro, São José, santo que anualmente era homenageado com uma programação especial, na qual não faltava a celebração de uma missa. Também em razão disso, havia no currículo escolar a Educação Religiosa. A observação dos valores católicos, impostos especialmente pela freira Irmã Zélia de Magalhães Brandão, então diretora, estava presente no rigor na disciplina. Por várias décadas, alunos e alunas foram proibidos de utilizarem, juntos, as instalações que não as salas de aula, e no horário do “recreio”, por exemplo, haviam áreas separadas destinadas aos alunos e às alunas. Os uniformes escolares não fugiam a esse rigor, e tinham que atender a exigências “puritanas”: às mulheres não era permitido usar saias justas, e o comprimento tinha que ser de quatro dedos acima do joelho; o uso de sutiã era obrigatório. Aos homens, não era permitido usar barba, calças justas que pudessem mostrar os contornos das pernas. Para os alunos e as alunas, era obrigatório abotoar todos os botões da camisa. Qualquer ato de desobediência ao Regimento Interno, insubordinação ou desrespeito motivava uma suspensão, que era informada aos pais ou responsável do infrator, através de uma Portaria de Suspensão.
Além de transmitir noções dos valores religiosos, o Colégio tinha no seu currículo escolar normal noções de Educação Moral e Cívica, um aprendizado que cada aluno leva para a vida. As atividades do Grêmio Estudantil São José permitiram “plantar” no íntimo de cada aluno uma semente – que pode ter germinado ou não -, de arte, cultura e a aptidão para a literatura.
O prédio do Colégio abrigou também um Internato, que funcionou por umas quatro décadas, hospedando pré-adolescentes, adolescentes, moças e rapazes do interior do município que desejavam estudar no Colégio, mas os pais tinham dificuldade financeira para trazê-los para morar na cidade. Não se sabe a quantidade de pessoas que nele foram internos, mas sabe-se que 80 pessoas chegaram a morar juntos, no Internato, num mesmo período. Regras rígidas, permitiam à direção, entre outras atitudes, controlar as visitas e “censurar” as correspondências, livros, revistas e jornais por eles/elas levados ou recebidos. E os (as) internos (as) eram obrigados a participar ou assistir “a missas, procissões, novenários e outros atos comuns”, como constava no Regimento Interno.
O Colégio do Padre transformou a educação em Correntina, uma cidade onde, até meados da década de 1950, existia apenas a Escola Sagrado Coração de Jesus – que funcionavam em uma casa pertencente à Paróquia e tinha como educadora a professora Anísia Silva Moreira – e a Escola Estadual Duque de Caxias, onde professoras também leigas ** ministravam a educação básica, dos anos iniciais – do ABC à 5º série.
Também propiciou aos filhos de Correntina e de outras cidades da microrregião que nele estudaram, a base educacional necessária para cada aluno ou aluna transformar a sua vida. Como ocorreu com Belonísio Cruz e Joaquim de Lisboa Filho, santa-marienses que estudaram e concluíram a 8ª série no Educandário São José. Correntinenses como os empresários Ailson de França Barbosa e Jesulino Lopes, o advogado Jeremias de França e Silva, o médico Sérgio Joaquim de Araújo, o jornalista Hélverton Valnir Neves da Silva, e a professora Édina Maria S. Moreira, que veio a ser Diretora do colégio, foram alguns entre tantos outros conterrâneos que, ao concluírem a 8ª série, o 2º grau ou o Magistério no Colégio, tiveram os horizontes abertos para uma vida nova.
O “querido” Colégio do Padre encerra as atividades deixando um valioso legado educacional, cultural e social para Correntina e os correntinenses, e muitas lembranças: de boas e de más notas; de noites mal dormidas por alunos que tentavam aprender ou decorar fórmulas, se preparando para provas; do convívio diário com colegas, que resultou em amizades duradouras e profundas; de descontentamento com professoras muito rígidas na correção de provas; dos “longos minutos” em pé na fila, sob o sol forte, aguardando a autorização para entrar para as aulas; do som da indefectível da sineta da Irmã Zélia, antecipando uma repreensão; dos flertes e namoricos, mesmo sob a extrema vigilância da direção da escola… São muitas as lembranças que cada ex-aluno ou ex-aluna certamente guarda na memória e recorda até hoje, e lhe acompanhará por toda a vida.
Com o encerramento das atividades, os 132 alunos do 2º grau que estudaram no estabelecimento neste ano, os 8 professores efetivos e os 3 contratados, além dos servidores do setor administrativo serão remanejados para o Colégio Estadual de Tempo Integral de Correntina, que o governo estadual inaugurará na cidade, brevemente.
*A vinda do Padre André para Correntina deveu-se à estada de Teófilo Pedro da Silva Guerra, o Guerrinha, no Seminário Diocesano de Diamantina, para ordenar-se padre. Lá Guerrinha e André se tornaram amigos. Guerrinha desistiu de ser padre, e voltou para Correntina depois de cursar o seminário-menor. Em razão da amizade, André, após se ordenar, desejou assumir a paróquia de Correntina. Uma carta do pai de Guerrinha, Pedro Guerra ao então bispo da Diocese, viabilizou a vinda do recém-ordenado Padre André.
**Até então, a única professora filha de Correntina, formada, havia sido Laura Avelina de Araújo, filha do Major Félix, que se formara em Pedagogia, pelo Educandário Sagrado Coração de Jesus, em Salvador, mas lecionara apenas durante alguns anos, no final dos anos 1930, mas falecera em 1940.
Agradecimentos: a Vanilson Cardoso, autor do artigo Chega ao fim a trajetória do ‘Colégio do Padre’, publicado neste Jornal de Correntina no dia 13 último, cuja leitura motivou-me a obter as informações e produzir essa matéria. Também, à diretora do Colégio, Aparecida Amaral Silva, e às funcionárias do setor administrativo, Maria Helena B. de S. França e Vanessa Duarte de S. Magalhães, pelo acesso aos documentos e as informações prestadas para a produção desta matéria.
Hino do Educandário São José
Letra e Música: Teófilo Guerra
Sob as luzes benditas do céu
Filhos nobres da Pátria destemida
Inspirados pela fé de lutar
Pela glória desta terra querida
Sob o teto do nosso Educandário
Bebamos no ensino e na fé
A luz lá do céu há de vir-nos constante BIS
Do padroeiro São José BIS
Cabral ao plantar uma cruz nessa terra
Cumpriu a sagrada missão
Disse ao mundo que somos de origem
Integrantes das hostes cristãs
Tenhamos por arma o saber BIS
E sem temor pelo Brasil BIS
Daremos nosso amor BIS
A cruz que cintila no céu brasileiro
Nas noites banhadas de luz
É penhor de vitória segura
É caminho que à glória conduz
Com os livros nas mãos BIS
E com o passo viril BIS
Marchemos firmes pelo Brasil BIS