Publicado em 23/12/2024 às 21h08

Foto – NÉSIO: INVENTOR E BAILARINO…

Por Antonio Rocha.

NÉSIO: INVENTOR E BAILARINO…

Há momentos em que o nosso pensamento voa longe. E, nesse voar, resgata antigos personagens que muito marcaram a memória, pessoal e coletiva, do povo da nossa cidade. Num desses vôos, eu me vi pensando na figura cativante e imortal de um homem chamado Nésio. Era um doente mental, de índole e alma indescritíveis, uma das mais doces figuras que já habitou Correntina. Silencioso, calmo, afável e genial. Assim era Anésio.

Foi ele quem primeiro ornamentou o barranco da Ilha do Ranchão com uma bela miniatura de Roda D’água, embelezando as margens daquele rio, atraindo a atenção de moradores e turistas. Além disso, desenvolveu, no próprio quintal, a arte de trabalhar a folha de flandres. Ali ele confeccionava candeeiros, lamparinas, cuscuzeiros, pratos e outros utensílios domésticos. Anésio era dotado, também, do talento da dança, tornando-se como um perfeito dançarino. Bastava os meninos se juntarem e cantarolarem um samba de roda, para Anésio cair na dança, com a leveza e a graciosidade do bailar de um Cisne.

Nessa arte, a sua habilidade era de tal ordem, que muitos o viam próximo da perfeição. Outra virtude do Nésio era gostar de viver às próprias custas, coletando lenha no cerrado para, em seguida, vendê-la em feixes aos moradores locais. Comedido e educado, comprava e pagava exatamente conforme o combinado. Prezava-se pela autonomia e pela liberdade, apesar de suas próprias restrições mentais.

Foto – NÉSIO: INVENTOR E BAILARINO…

Nele havia candura, tinha voz pausada e baixa, poucas palavras e olhar fixo no chão. Contudo, mostrava-se muito amável com as crianças. Uma distinta personalidade, de mente inventiva e criativa, ocupando-se, invariavelmente, com o criar e recriar a partir de suas habilidosas intuições. Por isso, conseguia manipular qualquer material, para dar forma às suas invenções. Assim, embora portando o seu machado, cuidadosamente afiado no fio da pedra do rio, era Nésio um homem inofensivo e puro. O seu machado destinava exclusivamente ao corte de lenha. Um copo de café, uma capa de fumo para espantar os mosquitos; um pedaço de cuscuz ou um pão, era o bastante para ele tocar a lida e a vida.

É esta, caro leitor (a), a imagem de um cenário que acompanha, até hoje, os seus contemporâneos. A imagem do nosso eterno Nésio, sempre presente na memória coletiva de Correntina. Foi com ele que aprendemos a encarar a vida com leveza e alegria, olhando para o seu singelo modo de viver. Que bela e fascinante criatura! Que caráter irretocável e genuíno. Entretanto, num triste dia, desses memoráveis, Anésio partiu. Foi saindo de cena, desaparecendo, enclausurando-se, até a rua emudecer. Ninguém mais o viu, nem pelas estradas, nem pelas ruas e, muito menos, passando por sobre a Ponte do Padre André. Restou, somente, a sua história.

Grande Anésio! A você, só gratidão. Gratidão pelas suas contribuições nas rodas de convivência, dos velhos e bons tempos de Correntina. Porque, mesmo atingindo o pico máximo de suas euforias e perturbações mentais, animadas por uma platéia delirante e composta de adolescentes, deixou um valioso legado. Lembrados ou ignorados, seus valores foram inseridos na alma correntinense.

Agosto de 2024. Antonio Rocha

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.